sexta-feira, 7 de março de 2008

Opinião — Gustavo Pires






Os Nossos Queridos Dirigentes Desportivos


O maior problema do desporto nacional é que os nossos queridos dirigentes da cúpula do desporto, no mundo maravilhoso em que vivem, aparentam uma ingenuidade atroz.

Com a economia a anunciar enormes dificuldades para o futuro próximo, os nossos queridos dirigentes desportivos, do vértice estratégico do desporto nacional, não perdem nenhuma oportunidade para anunciarem grandes projectos, como se estivessem no país das maravilhas e a Alice fosse a Secretária de Estado do Desporto. Se num dia anunciam a candidatura à realização dos Jogos Olímpicos, no outro, a organização de Europeus ou Mundiais! E à custa de quem? À custa do Zé, porque os nossos queridos dirigentes desportivos, quando é o Zé a pagar, nem olham a despesas. Depois, num país a caminhar para o precipício, temos a mais miserável organização desportiva dos países da Europa, cujos resultados, do ensino ao alto rendimento, como não podia deixar de ser, são a condizer.

Recentemente, Gilberto Madaíl, o insigne presidente da Federação Portuguesa de Futebol, anunciou a possível candidatura à realização do Mundial 2018 a meias com a Espanha. Os argumentos, como de costume, foram os da facilidade. Os espanhóis estão mesmo aqui ao lado e os estádios já estão construídos. Contudo, o que o Sr. Madaíl devia ter explicado aos portugueses era quanto é que o País pode ganhar com a realização de tal evento. E ganhar em contado, porque isso de ganharmos a promoção da imagem de Portugal lá fora, é coisa que andamos a fazer desde o século XV e os resultados estão à vista: caminhamos a passos largos para o fundo da tabela da Europa dos 27.

Entretanto, a nossa sorte foi que o Secretário de Estado do Desporto não se chama Alice mas Laurentino. Assim, o balão de ensaio do insigne presidente, por agora, parece que saiu furado.

O maior problema do desporto nacional é que os nossos queridos dirigentes da cúpula do desporto, no mundo maravilhoso em que vivem, aparentam uma ingenuidade atroz. Depois de anunciarem com pompa e circunstância, mas sem quaisquer estudos de viabilidade económica, a candidatura à realização do Mundial 2018, ficaram muito espantados por alguém, como o Presidente da República, manifestar dúvidas quanto à utilidade de tal empreendimento. Portugal tem “outras prioridades”, disse Cavaco Silva. E os nossos queridos dirigentes que já tinham ficado muito ofendidos quando Cavaco Silva manifestou uma posição negativa relativamente ao Euro 2004 que acabou por ser um desastre económico e financeiro, agora continuam a não entender a posição do Presidente da República, relativamente a um projecto apresentado mais pelo instinto do hedonismo da vida fácil que levam, do que pela racionalidade dos estudos económicos, financeiros e desportivos da vida que deviam levar.

Em matéria de políticas públicas, o País só devia avançar para a realização de grandes eventos desportivos, depois de devidamente garantidos, através de estudos independentes, os consequentes benefícios económicos directos para o País. Estudos independentes, porque o que geralmente acontece é a apresentação de cenários cor-de-rosa à partida que, depois, à chegada, se transformam em realidades profundamente negras.

O Euro de Futebol 2004 realizado em Portugal e os Jogos Olímpicos de Atenas 2004 são hoje paradigmas acabados da estupidez e da incompetência humana, em matéria de decisão política. Relativamente ao Euro 2004, temos dez estádios de futebol às moscas, alguns deles a degradarem-se a olhos vistos, câmaras municipais completamente falidas e clubes de futebol endividados de tal maneira que já não são senhores do seu futuro. Para além de tudo isto, temos um futebol completamente desorganizado, debaixo das maiores suspeitas, sem qualquer viabilidade no que diz respeito ao futuro próximo.

A situação decorrente dos Jogos Olímpicos de Atenas também não é nada dignificante. As infra-estruturas desportivas construídas para os Jogos são hoje uma enorme dor de cabeça para o governo grego. Após a realização dos Jogos, onde foram gastos só em instalações desportivas 12 biliões de dólares, o governo grego começou a pagar em média 100 milhões de euros anuais só de custos de manutenção. Os estádios e as demais instalações encontram-se numa situação desesperada.

A realização de grandes eventos desportivos deve ser anunciada com respeito pelo dinheiro dos contribuintes e pela inteligência dos cidadãos. As coisas nunca são fáceis. Mesmo em relação a Sydney 2000, considerados uns jogos em muitos aspectos exemplares, não deixam por isso de ser uma bela sem senão. Na realidade, hoje, muitas instalações desportivas estão sub-utilizadas, pela simples razão de que a Austrália tem uma população relativamente reduzida.

No que diz respeito aos Jogos de Beijing 2008, o cenário afigura-se dramático, ao ponte de já estar a deixar numa situação desconfortável os próprios dirigentes do Comité Olímpico Internacional que não são capazes de explicar tanta despesa e ostentação. A situação atinge as raias do absurdo. O estádio nacional que dá pelo nome de “Ninho de Pássaro” tem 100 mil lugares e um custo de 420 milhões de dólares. Mas não é tudo. Num total de 37 instalações construídas para os Jogos, foram gastos mais de 2 biliões de dólares. Dos 31 estádios construídos, 12 são completamente novos, 11 foram reconstruídos e 8 são temporários, quer dizer que, serão desactivados após os Jogos.

Para as instalações desportivas que não serão desactivadas, a questão que já se começa a colocar é a de saber como é que, depois dos Jogos, vão ser aproveitadas. As perspectivas não são animadoras na medida em que, relativamente a anteriores organizações de eventos desportivos, tais como os XXI Jogos Universitários Mundiais (2001) ou os Jogos Asiáticos (1990) ambas realizadas em Beijing, de acordo com o “Beijing Development Institute” da Universidade de Beijing, a sua gestão é desde então deficitária.

Mas este tipo de preocupações não fazem esmorecer o ânimo dos nossos queridos dirigentes desportivos: «Apenas disse que seria uma ideia simpática mas esta reacção (do Presidente da República) não é nada que me preocupe ou que já não estivesse nos meus planos», disse Gilberto Madaíl. Claro que não o preocupa, o dinheiro não é dele. Quanto aos planos, só esperamos que saiam furados. Para bem do País.

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