sexta-feira, 20 de junho de 2008

Portugal caiu lá atrás


Assim não há quem aguente

Alemães limitaram-se a explorar os defeitos dos portugueses por todos conhecidos e venceram, não com justiça, mas com pragmatismo.

Cirilo Borges

Portugal (e Scolari) despediu-se ontem sem glória do Euro 2008, derrotado de forma confrangedora por uma Alemanha que limitou-se a correr muito e a cruzar a bola bem para o meio da grande área portuguesa, tirando partido, por um lado, das suas potencialidades, por outro, das fragilidades portuguesas no seu último reduto, neste tipo de jogo. Pode-se muito bem considerar os erros colectivos, como uma boa equipa deve assumir, mas quando não se tem um guarda-redes que transmita segurança aos homens que estão à sua frente, naturalmente que toda a estrutura “treme como varas verdes”. Muitas vezes Portugal conseguiu esconder ou superar estas suas carências, mas de quando em vez, normalmente nos momentos mais importantes — é recordar o golo da Grécia na final do Euro 2004 —, elas ficam a nu.


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Nacional com contratações pendentes


Reforços virão do Brasil

O Nacional continua no mercado à procura de reforços para a próxima temporada. Na mira dos alvi-negros estão dois defesas e um avançado que poderão chegar à Madeira na próxima semana, para rubricar contrato, oriundos do Brasil.

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Opinião: JM Silva







Aí está o mata-mata

Conquistando o primeiro lugar do seu grupo antes mesmo do encontro final com a Suíça, Portugal partia para a última jornada com a forte possibilidade de fazer o pleno e simultaneamente aproveitar para testar um figurino mais sólido para o seu sector do meio-campo, demasiadamente à deriva nos jogos anteriormente realizados. Contudo, uma ridícula gestão de esforços diagnosticada para os jogadores mais utilizados deitou por terra tais possibilidades… e não só.

Desde sempre fomos daqueles que, ao longo dos cerca de cinco anos de reinado que Luís Felipe Scolari leva à frente dos destinos da Selecção Nacional de Futebol do nosso País, sempre tiveram a hombridade — e porque não dizê-lo a coragem — de com o mesmo rigor de informar com a verdade que se impõe, simultaneamente relevámos o muito que de bom ele trouxe para o seio da equipa de todos nós, mas também apontámos aqui e além aquilo que, obviamente em nossa opinião, se nos afigurava com os seus pontos menos fortes.
Ao fazê-lo nunca tivemos a pretensão, nem nunca a teremos, de que todos possam estar de acordo com tudo aquilo que aqui temos opinado sobre o trabalho daquele que ficou e ficará para sempre conhecido entre nós como o “Sargentão”, epíteto que granjeou sobretudo pela forma enérgica com que soube lidar com as muitas pressões que habitualmente vinham do exterior para o seio da Selecção, pois não eram poucos aqueles dirigentes de clubes que mandavam nela consoante as suas conveniências, como também era por demais conhecida a pretensão de determinados órgãos de comunicação social, sobretudo da desportiva, fazerem valer as suas ideias, interferindo no trabalho que competia única e exclusivamente ao seleccionador nacional escolhido para o efeito.
Não foi fácil a Scolari dar a volta a esta situação mas ele, com um poder de encaixe assinalável e dispondo de uma retaguarda forte que sempre o apoiou, soube lenta mas progressivamente ir acabando com tais velhos hábitos sem que tivesse antes passado por um clima de severas críticas que contudo se foram diluindo com o tempo.
Temos para nós que terá começado por aí o seu sucesso indesmentível frente a um seleccionado que pouco havia conseguido em termos internacionais antes do seu consulado, e que hoje por hoje é reconhecido, respeitado e temido em todo o Mundo, sendo os seus jogadores um alvo apetecido dos maiores clubes mundiais com possibilidades financeiras assinaláveis.
Disso não se esquecerão jamais os portugueses…

Admitindo com toda a naturalidade que as ideias podem divergir, jamais pactuaremos com quantos se atiram às opiniões alheias por vezes de forma menos correcta utilizando inclusive terminologia imprópria e sem que minimamente consigam introduzir nos seus escritos ou nos seus discursos algo que defenda as suas teses e que tampouco apontem alguma coisa de positivo que possa ser acrescentado ao trabalho que, na circunstância, é produzido pelos nossos viriatos no estágio da nossa selecção algures na Suíça.
Nada que contudo posa afectar minimamente o nosso trabalho, na medida em que os muitos anos que levamos nestas andanças nos imunizaram contra tudo isso e também um tanto porque, enquanto crianças, os nossos progenitores, nas horas das refeições e sempre que franzíamos o nariz para a comida, costumavam dizer-nos que «quem não gosta dalguma coisa que puxe para a borda do prato».
Politicamente falando, também não só concordamos como não gostamos de certas medidas levadas a cabo pelo executivo de José Sócrates mas temos que as aceitar enquanto outras não as venham substituir um dia, evidentemente para melhor…

É difícil lutar-se contra hábitos há muito enraizados em determinadas situações e no futebol situa-se um dos pólos mais férteis para que isso aconteça e, entre outros, é um dado adquirido que sempre que uma equipa ganha tudo está bem, quando realisticamente nem sempre é isso que acontece.
O inverso também se vislumbra quando essa mesmo equipa perde, sendo que aí é-lhe apontado tudo o que de mal se passou embora também aqui existam motivos fortes para explicar tal insucesso.
E o oito e o oitenta e oito sem quaisquer termos…
Atente-se no que se passou no recente Suíça-Portugal e relembremos o desvio de Pepe enviando o esférico à barra da baliza helvética, o golo limpo de Postiga mal anulado, uma grande penalidade autêntica sobre Nani não assinalada, o remate do mesmo Nani na cara do guarda-redes e que só foi travado pelo poste direito da baliza contrária, tudo isto e mais alguma coisa antes dos quinze minutos finais de jogo onde Portugal sofreu dois golos, o segundo dos quais na sequência duma ridícula grande penalidade assinalada pelo “vizinho” austríaco que dirigiu a partida.
Se os lances atrás descritos tivessem proporcionado a Portugal a obtenção de dois ou três golos, o que não escandalizaria quem quer que fosse, hoje ninguém criticaria as opções de Scolari quanto ao “onze” que iniciou a partida com os suíços.
Mas, bem ou mal, Portugal não marcou nesse encontro e para além da enorme tristeza que essa derrota proporcionou aos milhares de portugueses que acompanham os nossos viriatos apoiando-os com um grande fervor patriótico, temos para nós que, uma vez mais, esteve na pobre exibição do meio-campo português a razão maior para a derrota de Portugal neste encontro, onde, em inferioridade numérica, nem conseguiu defender bem nem tampouco descobrir linhas de passe para servir convenientemente os homens mais avançados.
Era enfim a sequência lógica daquilo que já antes acontecera contra a Turquia e a República Checa, só que aí Portugal venceu e tudo esteve bem (?). O tal hábito adquirido de que aqui já falámos.
Agora seguem-se os jogos a eliminar e logo na primeira eliminatória quatro dos países apurados irão mais cedo para casa ficando os quatro restantes até final para decidirem entre si os quatro primeiros classificados do Euro 2008.
Isto equivale dizer-se que apenas e só quatro equipas das oito finalistas irão efectuar todas elas três encontros já que as restantes apenas realizarão mais um cada qual.
Haveria qualquer razão para a tão propalada gestão de esforços?
Para nós, Portugal perdeu a última grande hipótese para testar um sector que (quem não gostar puxe para a borda do prato) tem sido o seu elo mais fraco, revelando-se o autêntico calcanhar de Aquiles da equipa.
Altamente profissionalizados, obrigados quer nos seus clubes quer ao serviço da selecção a treinos bi-diários, sobra-lhes mesmo assim, em cada dia, muitas horas para um repouso adequado, ademais estando em estágio e por isso devidamente controlados para não cometerem excessos, algo que não acontece na anterior situação quando em plena competição dos seus clubes.
Acresce que tendo que defrontar no encontro dos quartos-de-final do Euro o segundo classificado do grupo B, teriam os portugueses sempre mais um dia de descanso em referência a esse seu adversário que, para além do mais, havia necessidade de um esforço redobrado no último encontro do seu grupo para garantir o apuramento para a fase seguinte, algo que acarretou cuidados redobrados para não ser surpreendido, o que equivale dizer-se que actuou sob pressão acrescida.
Não foi fácil a vida dos alemães com os austríacos a jogar perante o seu público tendo vendido bem cara a derrota pela margem mínima.
Três dias para os alemães e quatro para os portugueses, com todo o manancial da fadiga causada pelo esforço intenso desenvolvido pelos seus futebolistas nos seus dois últimos encontros da fase de grupos, seria tempo muito mais do que suficiente para apresentá-los nas melhores condições físicas, absolutamente aptos para melhor desenvolverem o seu futebol.
Falar-se como se falou em gestão de esforço foi assim pouco mais que ridículo, ademais se era para proporcionar descanso aos jogadores portugueses mais utilizados, aqueles tidos por titulares indiscutíveis, qual a razão de fazer actuar, contra a Suíça, o guardião Ricardo, o central Pepe e o adaptado defesa esquerdo Paulo Ferreira?
Segue-se a Alemanha em jogo a eliminar rumo às meias-finais do Euro 2008, num jogo difícil mas onde, apesar de tudo, confiamos nos nossos viriatos.

PS: este artigo foi escrito antes do jogo Portugal-Alemanha.

Opinião: Gustavo Pires







A Fátima Foi ao Futebol

E, assim, desapropria-se o povo do seu sentimento de culpa, atribui-se-lhe auto-estima e dá-se-lhe um sentido de vida a partir do futebol. É uma questão de sobrevivência nacional.

Gustavo Pires (*)

A Dr.ª Fátima dos “Prós e Contras”, na passada segunda, foi ao futebol e o país, que não pensa noutra coisa, ficou a cismar que, afinal, isso da bola não é para qualquer um, porque tem coisa que se lhe diga.
Depois, dos eternos complexos da esquerda envergonhada que gosta de futebol mas, como tem vergonha de o dizer, desvaloriza-o e desprestigia-o, transformando-o numa actividade menor, folclórica, à margem da vida séria, que só serve para animar a alegria do povo, ao apetite sôfrego de uma direita neoliberal desavergonhada, com tiques reaccionários, por vezes até mesmo fascistas, fundamentalmente interessada em transformar o jogo numa vaca leiteira que é necessário mugir até à última pinga de leite, de uma maneira geral, o debate dos prós e contras ocorreu voluptuoso, lascivo e sensual, entre as pernas depiladas do Ronaldo e uma feminina virgindade perdida numa ida ao Maracanã.
Por volta da uma e meia, lá foi possível concluir que, afinal, o futebol é a festa do povo. E é festa porque nos momentos de sublime de euforia, todos os apaniguados, do operário fabril a cheirar a um incómodo suor inerente a quem do trabalho braçal faz o seu modo de vida, até ao administrador a cheirar ao sedutor KL, uma fragrância perfeita para o homem actual sempre bem com a vida, trocam abraços de alegria e exaltação na partilhada da vitória que pensam que é comum. Claro que também se concluiu que, para além daquela alegria fugaz, bem vistas as coisas, tal como acontece na celebração da missa, todos aqueles abraços e beijinhos, afinal, não resolvem coisíssima nenhuma.
E não resolvem coisíssima nenhuma, na medida em que, como afirmou Nietzsche, a moral cristã é uma moral dos fracos. Em conformidade, e tendo em atenção o super-homem que já é Ronaldo, os juízos de valor inerentes à festa desportiva devem ser realizados “para além do bem e do mal”, quer dizer, para além da festa quase religiosa em que o futebol se transformou, porque, no futebol, ninguém lá anda para “dar a outra face”.
Assim, a conclusão lógica foi a de que, quer se goste quer não, a coesão que o futebol nos dá também aliena uns contra os outros, muito embora tenha havido uma tentativa de jurisdicionar a palavra, assim como quem tira um coelho da cartola, decretando perante uma plateia meio embasbacada que a dita está ultrapassada. E está ultrapassada porque até houve quem tenha descoberto que, afinal, a alienação é saudável. E como é saudável, a função do futebol é mesmo essa, a de alienar o povo que bem o merece. E, assim, desapropria-se o povo do seu sentimento de culpa, atribui-se-lhe auto-estima e dá-se-lhe um sentido de vida a partir do futebol. É uma questão de sobrevivência nacional.
Deste modo, a capacidade de alienar as massas, através do futebol, passou a ser uma das maiores virtudes das políticas públicas do país, transformando-o numa espécie de marca. E atribuem-se lhe os predicados de uma marca, seja ela qual for, por exemplo, a de um sabonete, até porque só assim se pode compreender a lavagem ao cérebro a que o povo anda a ser sujeito à conta do futebol. O adepto passou a ser o protagonista. O cidadão o alienado. O futebol um instrumento da cultura popular que sublima as desgraças do país.
Por isso, é necessário saber vender o futebol, para melhor se poder vender o país. Porque, só assim o país pode sonhar sem ter medo de o fazer. Contudo, neste particular, o homem do marketing estava enganado. Os portugueses não têm medo de sonhar. Do que os portugueses têm medo é que o sonho acabe em pesadelo. Não foi isso que aconteceu no Vinte e Cinco do Quatro? Bastaram cerca de trinta anos para que o maior sonho português do século XX se transformasse num horrível pesadelo. Assim, os portugueses estão pessimistas. Eles não são pessimistas, estão pessimistas. Como tal, defendem-se, não através de um pessimismo doentio e absolutamente inútil, mas através do poder positivo do pensamento negativo. Quer dizer, eles sabem que têm de estar de pé atrás com os queridos líderes que os governam. Porque, de sonho em sonho, de um momento para o outro, podem ver-se com mais um campeonato da Europa ou do Mundo nos braços, ou até mesmo com uns Jogos Olímpicos, porque um TGV e um aeroporto já estão garantidos. Eles sabem que, após os abraços e os beijinhos da euforia dos golos que os nossos queridos líderes marcam, depois, quem paga a factura é sempre o mesmo. Eles estão de pé atrás à espera da primeira oportunidade de se chegarem à frente. A última oportunidade foi há mais de trinta anos. Faz tempo de surgir mais uma.
A Fátima pôs o país a discutir futebol mas, como dizia o outro, o futebol era o que menos interessava. O futebol era só a metáfora. A metáfora para uma cultura do impossível, na medida em que, neste país à beira mar desgraçado, o simplesmente possível já pouco importa. E como o simplesmente possível já sabe a pouco, os portugueses devem dedicar-se de alma e coração ao impossível. Trata-se de, como que num acto de mágica, fazer o futebol projectar-se no país. Quer dizer, futebolizar o país, pô-lo a marcar golos. É tão só uma questão de sabermos vender a nossa história. Depois, vendemos o país. Aliás, bem vistas as coisas, até já o começaram a vender o país a Bruxelas. A factura já começou a chegar.
A Fátima foi ao futebol mas não foi à bola. Quer dizer, não foi com os apaniguados do costume. Com aqueles que deixaram o futebol nacional chegar ao estado lastimoso em que se encontra, a vender semanalmente na comunicação social os amores, as traições, os penteados, as borbulhas e as depilações do Ronaldo. Apesar de tudo, desta vez, a Fátima foi melhor acompanhada. Diferentemente… Ela sabe o que nós queremos dizer…

(*) Com o Prof. António Cunha (FD-UP)

Opinião: Manuel Sérgio







Para um novo paradigma
do saber... e do ser! (I)


Antes de existir futebol ofensivo ou futebol defensivo, há o movimento com intencionalidade, ou seja, a motricidade humana...

Não vou forragear, imediatamente, alguns temas, sobre o "ser", num texto que se destina à publicação num jornal desportivo, que tem outros assuntos para ocupar-se. A interpretação do “ser como acto” (afinal a unidade do teórico e do prático, ao nível do conhecimento) encontramo-la, em aguarelas fortes, já em S. Tomás de Aquino, como resultado da assimilação da filosofia aristotélica. Pensar o ser significa, portanto, em finais da Idade Média, tematizar a perfeição do “ser como acto”. Em Descartes, os caminhos do pensar, pela mediação da técnica, dependem do agir. E não sei se a dúvida cartesiana não atinge a física dos nossos dias. Não é verdade que, em toda a Idade Moderna, se esqueceu a relação dialéctica, entre a “vita contemplativa” e a “vita activa”? Mas centremo-nos em autores mais próximos de nós. O marxismo, que atravessou ovante, praticamente todo o século XX, fazia suas as palavras de Marx, em "O 18 do Brumário de Luís Bonaparte": «Os homens fazem a sua própria história.» Que o mesmo é dizer: o homem passa da ideia subjectiva à verdade objectiva, através da prática, a qual historicamente se vai completando e realizando. Heidegger, na sua obra "Sein und Zeit", procura o sentido do ser. Só que o sentido do ser revela-se na existência do Homem, na sua acção. Na "Carta sobre o humanismo" emerge o seguinte: pensar o ser significa agir por ele e nele. Em "L’être et le néant", Sartre faz ressaltar a liberdade na construção do futuro, e adianta: «O homem não é mais do que ele a si mesmo se faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo.» E, ao fazer-se, ele é o “doador de sentido”, em relação ao mundo envolvente. Daí, a existência preceder a essência. Não esqueço deste autor a célebre frase: «Nous n’avons jamais aussi libres que sous l’Occupation», lembrando-nos que a linguagem da acção não é a linguagem do simples movimento. Teilhard de Chardin, no "Fenómeno Humano", tendo sempre presente o cósmico e o crístico, como sacerdote que é, encontra sentido, na acção humana: «Quanto mais o Homem chegar a ser Homem, tanto menos aceitará mover-se noutra direcção que não seja aquela que leva para o interminavelmente, indestrutivelmente novo.» Acção sem sentido não passa de mera agitação ou capricho. A intencionalidade, assevera Levinas, é «essencialmente o acto de emprestar um sentido» ("En découvrant l’éxistence, avec Husserl e Heidegger"). Habermas, mantendo-se fiel à tradição dos nomes cimeiros da Escola de Frankfurt, recebe forte influência de Marx e Freud e, assim, toda a sua filosofia assenta numa História que se processa, sob o ideal da emancipação. De facto, ele procura uma ética universal, não metafísica, mas antropológico-linguística, em que o agir seja comunicacional. Segundo a fenomenologia (entre os varões assinalados desta filosofia, Husserl é o primeiro) a consciência resume-se a uma “vivência intencional”. A radical diferença, entre Descartes e Husserl, está aí na intencionalidade. Não mais o "ego cogito", mas o "ego cogito cogitatum", onde o mundo permanece, enquanto "cogitatum". Em Maurice Merleau-Ponty porque, entre o meu corpo e o mundo, há uma íntima relação de envolvimento, a minha motricidade supõe intencionalidade. Não me parece desajustada neste interim uma citação do escritor Vergílio Ferreira, em prefácio que antepôs ao "Existencialismo é um Humanismo", de Jean-Paul Sartre: «A Fenomenologia fixa-nos (...) que o homem é, no reino da criação, não apenas o rei, mas largamente o verdadeiro criador». Mas, sem esquecermos que «um acto de liberdade é uma posição de fins, de valores». Paul Ricoeur, que muitos denominam o "filósofo da acção", grafou, na "Encyclopedia Universalis": «Se há uma linguagem da liberdade, tal resulta de antes haver uma linguagem da acção.» A história da acção é a história da sua aliança com a liberdade. E a filosofia não cansa, no seu afã de ligar "ser" e "acção". Também no desporto o "ser" é "acção". No livro de Luís Freitas Lobo, "Planeta do Futebol" (Prime Books, 2007, pp. 25/26), encontra-se o seguinte: «Existe como que uma falsa superioridade moral da acção ofensiva. É um monstro com "pés de barro". Isto porque, na prática, o futebol ofensivo nasce, no relvado, da forma como os elementos mais recuados conseguem pré-conceber, mesmo antes de recuperar a bola, o movimento ou passe que vão fazer, após consumada essa recuperação. Ou seja, o dito futebol de ataque tem origem na postura (entendida como correcta distribuição posicional e da chamada acção-reacção do pré e pós recuperação da bola) dos jogadores mais recuados. Quando não tem a bola, para além de pensar só em recuperá-la, a equipa já deve saber, com clareza, o que fazer com ela após resgatar a sua posse. É esta a génese da transição rápida. Mudar na mente do jogador o "chip" da acção defensiva, para a ofensiva, e vice-versa, da forma mais rápida possível». Não há desporto sem acção. Fazer desporto é agir com intencionalidade. Antes de existir futebol ofensivo ou futebol defensivo, há o movimento com intencionalidade, ou seja, a motricidade humana...
Em "Assim falou Zaratustra" e "Para Além do Bem e do Mal" e "Gaia Ciência" (e outros livros poderíamos citar), Nietzsche continua vivo, designadamente na pós-modernidade que atravessamos, como professor da “vontade de poder”, defensor da superioridade da vontade sobre a razão e valorando a criação do superhomem sobre um criatianismo que realça, para ele, os sentimentos de covardia e conformismo. Deus morreu e, portanto, todo o fazer é um fazer-se, sob os imperativos da vontade de poder. Vou salientar, agora, dois filósofos, de labor pertinaz e silencioso, actualmente pouco citados: Maurice Blondel (1861-1949) e Louis Lavelle (1883-1951). A redacção definitiva de "L’Action", de Blondel, ressoa o convívio com a filosofia de S. Agostinho (em primeiro lugar e acima do mais) e S. Tomás de Aquino, sob a metodologia de uma "fides quaerens intellectum" ou de um "intellectum quaerens fidem". O princípio da filosofia blondeliana é a realidade (não é o conceito tão-só) da Acção, como verdadeiro agir do ser. Acção é a expressão do ser realizando-se, em união de simpatia e de amor. O filósofo não concebe o ser humano sorumbático, parado, esvaído na velatura de todas as penumbras, porque o homem sente, na própria carne, «o conflito entre o encanto do mundo presente e o misterioso atractivo de um mundo superior» ("L’Action", t. II, p.340). Acção e sabedoria completam-se, em Blondel, pois que, conforme a exclamação de Santo Agostinho, «fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto anda o nosso coração até que descanse, em Ti». Ou esta, de uma densidade e concisão admiráveis: «Ama e faz o que quiseres.» A Acção, assim, constitui-se como emergência do horizonte fontal do amor.
De Louis Lavelle li dois livros, ainda era aluno da Faculdade de Letras de Lisboa, "De L’Ètre" e "De L’Acte", tentando, com eles também, preparar a disciplina de Ontologia, de que Oswaldo Market era o professor. Reli há pouco o "De L’Acte". Ele situa-se na linha reflexiva e subjectivista da filosofia francesa, inaugurada por Descartes. E assim a "reflexão" deverá instituir-se como método universal da filosofia e a metafísica deverá entender-se como «ciência da intimidade espiritual», dado que o fundamento da existência não o encontraremos no objecto, mas no sujeito. No entanto, é no acto que brota criativamente a percepção da existência, compreendendo-se então que ser é agir, uma vez que é no agir que eu me faço, fazendo. Só que o agir está em ligação íntima com o transcendente que o justifica.

(Continua)