sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Opinião: Manuel Sérgio







Spiridon Louis
— o primeiro herói olímpico

Na alma dos gregos que viveram esses momentos inolvidáveis, as duas maratonas (a antiga e a moderna) confundiam-se, agitavam-se na palpitação dos grandes sentimentos humanos.


Ia disputar-se a prova da Maratona, nos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna. O pensador francês Michel Bréal batera-se pela integração desta disciplina, no quadro olímpico. E com êxito, tanto mais que na Grécia a consideravam como directa emanação do seu patriotismo multissecular. Diz a lenda que um mensageiro grego teria galgado, em desaustinada correria, os 42 quilómetros que separam a planície da Maratona da cidade de Atenas (corria o ano 490 ª C.) para anunciar a vitória dos seus compatriotas sobre os invasores persas. E, transmitida a boa nova, teria sucumbido, morto de emoção e de cansaço...
Pois, verdade ou não, o certo é que, no dia 10 de Abril de 1896, vinte e cinco atletas se apresentaram à partida, para esta prova, precisamente na planície da Maratona. Em redor, uma paisagem de claridade forte realça o sentimento de festa popular, pelo renascimento dos Jogos Olímpicos. Entre os concorrentes, um pastor grego que dava pelo nome de Spiridon Louys. Cumpria o serviço militar e fora o seu comandante de companhia, o coronel Papadiamantopoulos, que o indicara como maratonista de invulgares recursos. Mais alto que baixo, enxuto de carnes, olhos quase infantis, ninguém dava nada por aquele provinciano habituado ao silêncio e ao ar finíssimo da montanha. Mas acreditava nele o coronel Papadiamantopoulos que, montando um garboso cavalo, o seguia de perto – presença estimulante e reconfortante!
Batiam as 14 horas, quando a Maratona se iniciou. Colado aos atletas, Papadiamantopoulos acompanha nervosamente o desenrolar da corrida. Logo de entrada, o australiano Edwin Flack, que já conquistara o primeiro lugar nos 1500 metros, em passada larga e poderosa, afastou-se dos demais concorrentes e chegou, a dada altura, a obter nítida vantagem – nada mais, nada menos do que 1000 metros aproximadamente! Ao trigésimo quilómetro, no entanto, ainda no primeiro lugar, arrastava-se extenuado pela estrada poeirenta. De qualquer forma, através de ciclistas que iam e vinham, numa roda-viva, espalhara-se pelo estádio que Spiridon vinha atrasado, em relação ao australiano, e pelas bancadas rolavam insultos desabridos, ironias corrosivas, denúncias vilíssimas à figura de Papadiamantopoulos. Onde fora ele descobrir aquele pastor magrizala e assustadiço?... Não andaria o coronel a brincar com o prestígio da sua Pátria?
Entretanto, ao trigésimo quinto quilómetro, Edwin, de faces golpeadas pelo sofrimento, era forçado a desistir. Agora, à frente de Spiridon, seguiam o americano Blake e o francês Lermusiaux e, mesmo estes, a curta distância. Spiridon refresca-se com uma bebida e ei-lo, num desdobramento surpreendente de agilidade, empertigado, a palmilhar metro após metro, como se a prova houvera começado naquele instante. Ultrapassa, em cadência forte, Blake e Lermusiaux. E, ao 37º quilómetro, já ele corria triunfante, a caminho da meta. Papadiamantopoulos, fora de si, num entusiasmo inexaurível, esporeia o cavalo em direcção ao estádio, sobe ao camarote real e de pupilas relampejantes e a voz embargada pela comoção, exclama: «Majestades, Spiridon está em primeiro lugar e deve ganhar a Maratona!» A família real pulou nas cadeiras como se mola de aço a jogasse ao ar. A novidade alastrou com prontidão e uniu, em fervor patriótico, todos os espectadores.
Quando Spiridon assomou à boca do túnel, em primeiro lugar e distanciado dos demais concorrentes, o estádio positivamente endoideceu e os príncipes Jorge Constantino abandonaram o camarote e desceram à pista, acompanhando (com o panache das belas atitudes) o campeão, nos últimos metros da prova. Na alma dos gregos que viveram esses momentos inolvidáveis, as duas maratonas (a antiga e a moderna) confundiam-se, agitavam-se na palpitação dos grandes sentimentos humanos. Com uma ágil corrida, que os quilómetros sucessivos não cansaram, Spiridon Louys fora assim o grande herói dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna.

Sem comentários: