sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Opinião: JM Silva







A Série Madeira

Duma certeza estamos imbuídos, a de que muito lucrará o futebol regional com tal série, cuja discussão não está a ser nada pacífica. Tudo porque alguns dirigentes desportivos, tendo vivido durante muito tempo sem dificuldades financeiras, se vêem agora confrontados com outra realidade, que os assusta…

JM Silva

Já lá vão muitos anos que se assistiu na Madeira a uma enorme revolução no seu futebol regional, então pujante com a realização de três campeonatos, o da primeira, o da segunda e o da terceira divisões, para além dos torneios de Reservas e de Segundas Categorias entre os clubes mais representativos.
Hoje, falar-se desses tempos áureos do futebol regional é algo difícil e mesmo complicado, porque sobretudo a grande maioria dos dirigentes dessa altura já não fazem parte do mundo dos vivos e ainda porque muitos dos jovens de igual período e que nada tinham a ver com as dificuldades com que viviam os seus clubes de bairro, desconhecendo em absoluto a autêntica “ginástica” que tinham que desenvolver os seus dirigentes, também esses jovens de então vão rareando.
Contudo, apesar dos fracos recursos ao seu dispor, época após época com descidas de uns e subidas de outros, todos os campeonatos se realizavam sempre com o mesmo número de clubes em cada divisão.
E, apesar de se tratarem de competições regionais, o público tinha por elas uma grande paixão e os recintos onde os jogos se realizavam apresentavam-se normalmente com boas molduras humanas e, quando acontecia qualquer derbi regional, era dia de arraial.

Então, e em termos de infra-estruturas desportivas, para a prática do futebol, elas eram em número deveras exíguo, uma autêntica penúria sendo então o pelado do Liceu de Jaime Moniz o principal palco de jogos para todos os escalões, realizando-se em todos os fins-de-semana encontros de futebol para todos os gostos, de manhã até à noite, de tal jeito que, se alguém disso se tivesse lembrado na altura, aquele recinto de há muito teria lugar cativo no famoso Guiness Book (o livro dos recordes).
Outro recinto que desde os primórdios do desporto-rei entre nós, infelizmente hoje desactivado, o Campo do Almirante Reis, foi por assim dizer o berço onde nasceram os primeiros grandes jogadores madeirenses, que volvidos alguns anos conquistavam para o seu clube, o CS Marítimo e para a Madeira, o título de Campeão de Portugal e onde também se jogava o sol a sol, transformando-se num extraordinário viveiro de jogadores.
No Funchal, para além destes dois recintos, havia a sala de visitas do nosso futebol, o ainda Estádio dos Barreiros, onde apenas tinham acesso os quatro maiores clubes madeirenses de então, o CS Marítimo, o CF União, o CD Nacional e o Sporting CM, este esporadicamente substituído pelo CF Carvalheiro, popular colectividade do Monte.
Na Choupana e no Palheiro Ferreiro situavam-se outros dois “pelados”, obviamente com menos utilização por se situarem em zonas já algo afastadas da baixa funchalense.

Situando-nos no tempo em que muitos conterrâneos nossos viviam em concelhos rurais distantes do Funchal, onde a água e a luz ainda não haviam chegado a milhentos lares madeirenses, onde havia gente que nunca tinha vindo à Cidade, quando para chegar-se ao Porto Moniz se levava uma eternidade, facilmente se compreende que também o futebol não chegava a tais paragens, situando-se então e preferencialmente no Funchal numa enorme percentagem e os restantes nas então freguesias mais próximas da capital, Santa Cruz, Machico e Câmara de Lobos.
Por mor deste situação, aliada à gritante escassez de recintos onde os atletas dos muitos clubes se pudessem treinar com um mínimo de condições, é normal que o futebol estivesse pouco desenvolvido em relação a outras regiões do País.
Acresce que numa época em que se vivia de mãos dadas com o compadrio, dirigentes de clubes que não tivessem compadres nos locais de decisão raramente conseguiam mais do que umas escassas horas em cada época para treinamento das suas equipas.
Por todo o sítio onde houvesse uns metros quadrados de terreno alcatroado ou cimentado, nos adros dalgumas igrejas, numas escapadelas aos “ervados” na Avenida do Mar, etc. tudo era aproveitado para uns curtos exercícios físicos onde raramente havia a presença de qualquer bola. Era difícil mas sobretudo doloroso trabalhar-se em semelhantes condições, mas nem por isso se deixava de trabalhar.
Por tudo isto é natural que não sintamos saudades desses tempos difíceis, mas algo de bom ficou desde sempre enraizado em nós: o amor à camisola que orgulhosamente envergávamos e o respeito e a admiração que nutríamos pelos dirigentes de então que não se poupavam a esforços e até sacrifícios para que os seus clubes subsistissem e neles pudessem muitos jovens praticar a sua modalidades mais querida, o futebol.

Com a conquista da autonomia após a revolução do 25 de Abril, lenta mas progressivamente, a Madeira foi obtendo as suas primeiras conquistas, e a determinada altura, entre outras coisas mais, foi ver-se as diversas Câmaras espalhadas pela ilha a receberem periodicamente do Governo Regional as verbas possíveis para que o poder local iniciasse um desenvolvimento a todos os níveis em cada localidade.
E entre as mais variadas deliberações dessas edilidades achou-se como medida acertada dar apoio ao clube ou aos clubes da sua jurisdição em prol da sua juventude.
Porém, diferente era dar-se apoio a um, dois ou mesmo três colectividades do que fazê-lo em relação a duas dezenas ou mais como era o caso da Câmara Municipal do Funchal, em cuja área de jurisdição estavam sedeados 90% dos clubes regionais de então.
Seria essa disparidade que, paradoxalmente, foi matando o futebol regional, tudo porque os dirigentes dos clubes sedeados fora do Funchal, a quem algures apelidámos de novos ricos, olhando mais para o seu ego do que preocupando-se com a juventude das suas zonas, deram início a uma nova forma de reforçar os seus planteis, batendo as portas dos melhores valores que militavam nos clubes funchalenses, aliciando-os com o vil metal facilmente entrado nos cofres dos seus clubes.
Foi, digamos, uma emigração em massa que naturalmente acabou por inviabilizar a continuidade dos clubes da capital, cuja Câmara não pode acudir a tantos “filhos” em pé de igualdade com as restantes espalhadas pela ilha.

Entretanto, enquanto iam sendo riscados do naipe de colectividades regionais, clubes como o Sporting CM, o Carvalheiro, o Académico, o Barreirense, o Recreio e Desporto, o Lazareto, o Alma Lusa, o Pilar, o Monte Real, o Real Vitória, o Coruja, a União Desportiva de Santo António, o Pátria e o São João entre outros que porventura nos tenham escapado, aqueles clubes que passaram a ser apoiados pelas autarquias foram vencendo ano após ano o Campeonato Regional da I Divisão e por mor dessas conquistas ingressando na III Divisão Nacional, enfraquecendo naturalmente o futebol regional.
A experiência dalguns clubes a nível nacional revelar-se-ia amarga para o São Vicente, que despromovido acabou abandonando o futebol sénior, para o 1.º de Maio por razões que tiveram a ver com a corrupção desportiva, para o Santacruzense que voltando aos regionais de lá não conseguiu ainda sair e ainda para o Estrela da Calheta que após ter descido da III Divisão Nacional esteve inactivo no futebol sénior ao qual regressou há pouco tempo.

No passado dia 3 de Julho, o Governo Regional decidiu que «a partir da época 2009/2010 deixará de financiar nos termos actuais a III Divisão Nacional (de futebol) sem prejuízo de um período de transição financeira, a determinar, incentivando assim a criação de uma Série Madeira». Esta notícia, ou se preferirem intenção do Executivo madeirense, caiu que nem uma bomba, sobretudo no seio de quantos clubes que participam ainda na III Divisão Nacional e que de momento desconhecem os subsídios a receber num futuro próximo.
Tendo vivido largos anos sem dificuldades financeiras de alguma monta e vendo-se agora numa situação diferente, para pior, do que aquela a que estejam preocupados com o futuro próximo dos seus clubes.
Sobre os moldes a implementar para que a Série Madeira venha a ser uma realidade, temos as nossas ideias, mas não as vamos aqui revelar porque essa decisão pertence única e exclusivamente aos clubes envolvidos nessa questão que, pelo que tem vindo a lume, de pacífica não tem nada.
Duma certeza estamos porém imbuídos, a de que muito lucrará o futebol regional com tal série.
Primeiro porque por toda a ilha, que se percorre agora em muito menos tempo, existem modelares infra-estruturas desportivas para a prática do futebol, graças à politica governativa para o efeito, segundo porque renasceria o espírito bairrista de anos idos fazendo de cada jogo uma festa, terceiro e talvez o capítulo mais importante, movimentaria mais atletas nados e criados na nossa Região Autónoma.

PS: Este apontamento foi elaborado terça-feira, 12-08-2008, antes da Assembleia Geral dos Clubes que iriam decidir sobre o sim ou o não da Série Madeira.

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