sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Opinião: Gustavo Pires







Os Jogos, as Medalhas
e o Desenvolvimento

As medalhas podem dar muita satisfação à generalidade da população, podem ainda dar mais satisfação aos atletas, aos técnicos e aos políticos; contudo, elas, só por si, nada representam em termos de desenvolvimento do desporto e do país.

Os Jogos Olímpicos arrancaram. São o maior espectáculo à escala do Planeta, por isso, todos os países do mundo sem excepção, têm os olhos postos nos seus atletas. Mas não só, porque ao terem os olhos postos nos atletas também sonham com as medalhas que, eventualmente, eles podem ganhar. Por isso, as previsões são o mais natural. Desde que o homem se conhece a si próprio faz previsões a fim de tentar controlar o futuro. Foi o que o Comité Olímpico de Portugal (COP) fez, no início da preparação para Pequim, num protocolo assinado com o Instituto do Desporto de Portugal, comprometendo-se a ganhar cinco medalhas. Entretanto, em vésperas de partir para Pequim, ouvimos o Presidente do COP anunciar uma expectativa de «onze medalhas menos uma», por afastamento de Sérgio Paulino. O país está delirante e os políticos ainda mais. Não há nada melhor do que um bom par de medalhas olímpicas para, momentaneamente, tirar o país da depressão em que se encontra e dar aos portugueses o ilusório sentimento de que temos um sistema desportivo digno de um país desenvolvido. Contudo, num trabalho de Daniel K. N. Johnson da Universidade do Colorado-USA, de acordo com um modelo económico utilizado na investigação, Portugal não aparece na lista dos países ganhadores tal como não aparece Cuba que em Atenas ganhou 27 medalhas (9,7,11). Entretanto, numa estimativa baseada em critérios meramente desportivos, de acordo com “Sports Facts & Figures Guide - For the Media”, Portugal ganha 4 medalhas (1,2,1). Quer dizer, os países podem ganhar medalhas olímpicas e, depois, proporcionarem às suas gentes um desporto e uma qualidade de vida deficientes.
As medalhas podem dar muita satisfação à generalidade da população, podem ainda dar mais satisfação aos atletas, aos técnicos e aos políticos; contudo, elas, só por si, nada representam em termos de desenvolvimento do desporto e do país. Numa determinada perspectiva até representam o estado de subdesenvolvimento do desporto e do país. De facto, ganhar 4, 5, 10 ou 11 medalhas, quando a generalidade dos jovens está arredada da prática desportiva, na medida em que o país apresenta a mais baixa taxa de participação desportiva da Europa, não é um sinal de desenvolvimento mas de subdesenvolvimento. Quando o investe praticamente todos os recursos disponíveis na preparação de atletas porque a obtenção de medalhas é o objectivo primeiro de todas as políticas públicas e não a consequência, o Estado está a desperdiçar recursos, a contribuir para criar ainda mais assimetrias no país e a iludir o próprio desenvolvimento.
O desenvolvimento em matéria de desporto é uma questão de equilíbrio entre a base de praticantes e a elite. A não ser assim, o desporto torna-se num instrumento de alienação que, no fundo, mais dia, menos dia, se volta contra os próprios desportistas. Não há nada mais degradante em termos de dignidade humana do que ver antigos campeões a reivindicarem os apoios a que têm direito, a agradecerem as migalhas que caiem das lautas mesas dos senhores dirigentes, ou a venderem-se miseravelmente na televisão a anunciarem a Margarina Casqueiro.
Portugal pode ganhar 4, 5 ou até 10 medalhas. Em termos de desenvolvimento significa o mesmo que não ganhar nenhuma na medida em que, depois, não existem políticas de promoção do desporto direccionadas para tirarem partido do “efeito de campeão”. Em consequência, sem pôr minimamente em causa o mérito dos atletas e dos treinadores, as medalhas até acabam eventualmente por ser prejudiciais ao desenvolvimento, já que, no frenesim da obtenção de resultados, os políticos ignorantes e os dirigentes oportunistas, acabam por apostar tudo no rendimento, na medida, nos recordes, no espectáculo e no profissionalismo de Estado em prejuízo da generalização da prática desportiva. Precisamente como na antiga União Soviética ao tempo do estalinismo mais duro, quando a promoção da prática desportiva entre a população, ao contrário daquilo que diziam as estatísticas oficiais, era pura e simplesmente inexistente, porque o Estado dirigia os recursos para os resultados nas grandes competições, a fim de promover e perpetuar o regime. O regime entre nós é outro, mas os objectivos parecem ser semelhantes.
Infelizmente em Portugal está-se a ir no mesmo sentido. Não existem políticas públicas minimamente credíveis de promoção do desporto. O Estado limita-se a despejar anualmente no Movimento Desportivo muitos milhões de euros que, depois, controla de uma forma deficiente. São dinheiros públicos, provenientes das famílias portuguesas, pelo que deviam ser objecto de divulgação pública. Já lá vão muitos anos desde a última vez que foi divulgado um relatório acerca da maneira como estão a ser gastos os dinheiros públicos no desporto. É tempo do COP esclarecer esta questão. Num país do grupo dos desenvolvidos como é Portugal, por cada atleta presente nos Jogos Olímpicos devia haver, pelo menos, 100 mil a praticarem regularmente desporto. Até porque, pelos próprios estatutos, compete ao COP «promover o gosto pela prática desportiva como meio de formação do carácter…» e segundo a Carta Olímpica «a prática desportiva é um direito humano». Ora, com uma deficiente cifra de 23% de praticantes desportivos, Portugal não está a cumprir aquele direito fundamental, por muitas medalhas olímpicas que possa ganhar em Pequim.

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