sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Opinião: Manuel Sérgio







Carta Aberta a Rui Costa

Perdoe-me a ousadia desta carta, mas o futebol do Benfica, nas últimas épocas, parece uma procissão de moribundos e precisa portanto da liderança, da inteligência organizativa que o meu amigo patenteava, nos campos de futebol.

Na sequência da carta, tão cheia de lirismo, que o Dr. Joaquim Evangelista lhe escreveu, aqui estou também a dizer-lhe que, em plena consciência, vejo futebol, há 69 anos! Tenho 75 anos de idade e o primeiro jogo de futebol a que assisti, levado pela mão do meu saudoso pai, foi o Académica 4 – Benfica 3, na primeira final da Taça de Portugal, que se disputou, em 1939, no defunto Estádio das Salésias. E, a partir daí, pouquíssimas foram as semanas em que não vi, apaixonado e sôfrego, quer em Portugal quer no estrangeiro, um espectáculo de futebol. Passa agora na minha mente o inefável cortejo de luminosas sombras dos futebolistas que foram os heróis da minha infância e da minha juventude: o Pinga, o Peyroteo, o Travassos, o Mariano Amaro, o Francisco Ferreira, o Rogério Lantres de Carvalho, o Araújo, o Félix, o Feliciano, o Pedroto, o Virgílio Mendes, o Jesus Correia, o Albano, o José Aguas, o Matateu, o Hernâni, o Germano, etc., etc. Eram todos grandes jogadores! Mas o nosso futebol ainda vivia a sua pré-história e nenhum deles usufruía de condições que lhes permitisse mostrar o muito que valiam. O José Augusto, o Eusébio, o José Águas, o Coluna, o Simões, o Vicente, o Futre, o Chalana, o Humberto Coelho, o João Alves, o Fernando Gomes, o Jordão, o Manuel Fernandes surgiram mais tarde e ainda se encontram felizmente vivos...
O Rui Costa está entre os futebolistas criadores de beleza. Havia em si a helénica serenidade dos que jogam a pensar e fazem do futebol um culto manifesto da perfeição artística. Por isso, sou tentado a escrever que transluz, no Rui Costa, a inteligência de cinco jogadores, todos eles internacionais portugueses, mas continuados, senão excedidos por si: o Pinga, o Mariano Amaro, o Travassos, o Rogério, o Coluna. Permita-me esta nótula: nunca vi, em toda a minha vida, jogador mais habilidoso do que o Rogério. E olhe que eu deliciei-me com o futebol do Di Stéfano, do Pelé, do Maradona, do Falcão, do Zico, do Sócrates, do Zidane e de alguns mais. Mas... adiante! Ao Rui Costa segui-o com atenção, porque sempre admirei a sua inteligência lucidíssima de jogador de futebol (estou a exagerar, se disser: com a clarividência do génio?). Inteligência que pode manifestar-se, sem restrições, como director do futebol benfiquista. Jantei, há dois meses, com o Jorge Valdano e percebi por que o Real Madrid é talvez o clube com maior dimensão sociológica de poder futebolístico. É evidente que, no Real Madrid, há dinheiro para contratar os melhores jogadores e, como se sabe, o recrutamento de jogadores é o primeiro e o mais instante trabalho de um departamento de futebol. Mas, depois, há o "conhecimento" e a "tecnologia incorporada nos serviços". Já estamos em plena "sociedade do conhecimento", onde a competência é fundamental. E repito-lhe uma frase que venho repetindo, de há 40 anos a esta parte: "só sabe de futebol quem sabe mais do que futebol"! Quando escrevo “competência” quero referir-me a pessoas que saibam de futebol (competência nuclear), mas também de gestão e de ciências humanas. E pessoas em permanente aprendizagem...
Perdoe-me a ousadia desta carta, mas o futebol do Benfica, nas últimas épocas, parece uma procissão de moribundos e precisa portanto da liderança, da inteligência organizativa que o meu amigo patenteava, nos campos de futebol. É bem possível que, o departamento de futebol do Benfica só tivesse pessoas que sabem muito de futebol. Ora, quem só sabe de futebol nada sabe de futebol. Não é por acaso que, entre os prémios Nobel da Medicina, se encontram cientistas doutras áreas do saber. É que, hoje, sem conhecimento-em-rede, não há conhecimento.
Seu

Manuel Sérgio

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