sexta-feira, 6 de junho de 2008

Opinião: Vinhais Guedes







Dai-nos, senhores, o futebol
nosso de cada dia

Falai, escrevei muito, quanto à possibilidade de se poder regressar da Suíça, país dos relógios, com um desses exemplares em ouro, prata ou bronze; ou se, pelo contrário, teremos de nos contentar com um feito em Marrocos.


Ofereçam-nos o pão nosso de cada dia.
Dai-nos o alimento que sustenta as ilusões de milhões de portugueses. Alimento que faz esquecer as agruras de uma vida cada vez mais difícil e que enche com histórias e literatura de cordel o vazio existencial.
Falem-nos desses seres humanos especiais, muitos deles vivendo em palacetes com piscinas e garagem de luxo.
Digam-nos o que comem, como passam o seu tempo enclausurados em verdadeiras prisões douradas.
Falem-nos mais dos heróis nacionais. A hora, o minuto e o segundo em que partem para uma espécie de guerra “ou mata ou morre”, como diz o sargento para os soldados, como se tudo isto se tratasse de uma guerra de guerrilha.
Informem-nos se estão previstos fuzilamentos de guarda-redes, pelos disparos de tiros e de canhões da tropa comandada.
Dai-nos pois notícias diárias do ambiente que respiram os ditos, nem que seja de uma unha encravado no pé, da arreliadora pubalgia, ou “distensão muscular”, em suma, do seu estado geral.
Não se esqueçam de palpitar sobre quem vai ou não para a batalha, quem vai vestir as camisolas e quem as vai trocar, no futuro, por outras, recebendo milhões.
Distraiam um pouco este país acabrunhado com os aumentos quase diários da gasolina e seus derivados, do pão, do arroz, das “massas”, estas que raramente faltam aos tais heróis.
Afastai-nos da crise que nos rodeia, como se de um lobo se tratasse.
Só vós sois capazes de conseguir ocupar o tempo, esquecendo o apertar do cinto.
Escrevei páginas e demorai horas falando dos negócios possíveis após o acontecimento.
Dos dinheiros que pela venda ou troca podem ajudar a nossa pobre economia. Especulai sobre esta matéria.
Falai dos tugas, magriços ou lusitanos, só comparáveis aos que dobraram o Cabo das Tormentas há quinhentos anos.
Falai, escrevei muito, quanto à possibilidade de se poder regressar da Suíça, país dos relógios, com um desses exemplares em ouro, prata ou bronze; ou se, pelo contrário, teremos de nos contentar com um feito em Marrocos. Expliquem o que é uma “trivela”, ou o tal fuzilamento dos guarda-redes e o disparo de tiros em locais onde estão proibidas todas as espécies de armas!
Por favor, entretenham-nos, vão distraindo e ocupando os milhares de desempregados deste país.
As vossas notícias e a sua profundidade merecem respeito e admiração.
Explicai-nos também senhores o que é isso, de ser sócio da selecção e do efeito que essa invenção, para além do negócio, traz à moral das nossas tropas.
Não se esqueçam senhores de que o céu e o inferno estão separados por apenas um fio.
Estou certo que a vossa difícil missão será reconhecida por todos os portugueses que consomem e pelos os que não vão muito à bola. E certo também que o supremo serviço que vão prestar ao país e ao governo deste país, desejoso que os “artistas” envolvidos, alguns dos quais do melhor que existe no mundo, façam boa figura e mereçam o reconhecimento pelos altos serviços prestados. Entretanto, o governo fica já grato com as repetidas notícias que constituam o pão nosso de cada dia, aliviando-o das criticas à sua governação.
Fazer esquecer a crise, mesmo que por apenas três meses (antes, durante e depois da acontecimento), sempre dá mais tempo para amenizar o cerco, respirar um pouco mais, ou então suspender a dor temporariamente usando uma espécie de analgésico.

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