sexta-feira, 27 de junho de 2008

Opinião: Gustavo Pires







Scolari Foi-se. Viva o Big Phil


Mesmo aqueles, que dizem que a descoberta da bandeira das quinas foi o maior feito de Scolari, estão muito enganados. Quem primeiro começou a envolver a bandeira no nacional futebolismo da pátria amada foi o Mister Oliveira, ao tempo em que foi treinador nacional.

Gustavo Pires (*)

Nunca fomos à bola com o Scolari. O sucesso, se é que se lhe pode chamar isso, que o homem teve em Portugal, foi pelas piores razões. O homem promoveu no país um nacional futebolismo medíocre e foleiro que teve a expressão máxima na desgraçada exclusão de Vítor Baía, no monumental murro ao atleta sérvio e na retirada em pleno combate a troco de uns miseráveis rublos, deixando as forças no campo de batalha sem liderança nem rumo. Os portugueses papalvos paparam tudo. Ele fez o que quis, como quis, quando quis. A arrogância do discurso alternou com a pieguice do estilo, o vazio de conteúdo e a idiotice da atitude bem representada na metáfora do “o burro sou eu”. Quer dizer, os portugueses.
O homem nunca nos convenceu. Mesmo depois de aprender a balbuciar o hino nacional, as coisas não melhoraram. Bem vistas as coisas, o homem para além de não ter ganho nada não nos deixou cá ficar coisa nenhuma. Uma ideia, um projecto, uma realização digna de futuro. Deixou-nos, isso sim, uma certa liderança, ao estilo de sargento-ajudante que, infelizmente, parece ter-se adaptado bem ao perfil psicológico e cultural dos nossos jogadores de futebol. Mesmo aqueles, que dizem que a descoberta da bandeira das quinas foi o maior feito de Scolari, estão muito enganados. Quem primeiro começou a envolver a bandeira no nacional futebolismo da pátria amada foi o Mister Oliveira, ao tempo em que foi treinador nacional. A coisa não resultou. O povo ainda não sabia que necessitava da bandeira para curtir as mágoas da vida à custa do futebol. O maior problema do Mister foi estar certo no tempo errado. A coisa não pegou. Foi pena. Na realidade, a nacional pieguice ainda não estava em ponto de rebuçado. Até nisso Scolari teve sorte. Veio encontrar um país lavado em lágrimas de tantas desgraças e à espera de um D. Sebastião. Scolari foi o Sebastião que nos calhou.
Em conformidade, ao cabo de cinco difíceis anos (claro que para os portugueses), se há coisa que Scolari provou em Portugal, não fosse ele um leitor de Sun Tzu, é que a táctica sem estratégia é como o barulho antes da derrota. De facto, ele fez barulho, provocou ruído, às vezes até banzé; contudo, se virmos bem as coisas, não fez mais nada do que preparar a estrondosa derrota no Euro 2008. Se o homem nunca teve um sentido estratégico para o futebol, de táctica demonstrou um conhecimento muito reduzido. Agitou as massas, promoveu o circo, criou conflitos, ganhou dinheiro, bom dinheiro, mas, no fundo, tudo aquilo que fez não serviu para grande coisa, a não ser para ele próprio. E ele sabia bem aonde estava metido. Ele estava desejoso de se pôr a andar. Depois de uma tentativa gorada para o Benfica, desandou para Inglaterra. E ainda bem. A forma como o fez fechou com chave de ouro uma actuação a todos os títulos medíocre. Queremos dizer rasca.
Agora Big Phil vai continuar não no coração mas na distracção dos portugueses. Porque agora é que os portugueses se vão verdadeiramente distrair a tirar a prova dos nove ao Big Phil. Até porque as coisas em Inglaterra fiam de outra maneira. Na realidade, o Chelsea para Scolari vai ser até mais do que a prova dos nove. Vai ser a prova real da sua competência ou incompetência. Por nós, estamos convencidos que o fracasso é uma questão de mais ou menos jogo. Há quem duvide que o homem passe o Natal em Londres. Ele não tem estofo de treinador de clube. Não tem currículo de treinador de clube. Não tem tarimba de treinador de clube. Não tem capacidade para aguentar a pressão. O homem, à mais pequena dificuldade, perde as estribeiras, salta-lhe a tampa, entra em paranóia, não sabe o que diz, vem-lhe a agressividade toda à flor da pele. O homem é um estudo de caso. É uma espécie de estudo de caso José Mourinho, mas ao contrário.
Agora, enquanto treinador do Chelsea, Big Phil vai ver realmente o que é ser apertado. Não pelos delicodoces dos jornalistas portugueses, mas pelas feras que são os jornalistas ingleses. O Big Phil vai ser verdadeiramente apertado. Reunir com um grupo de jogadores uma ou duas vezes por ano e fazer com que eles dêem o melhor de si, não parece ser muito difícil sobretudo quando, por um lado, se tem à disposição os melhores jogadores do mundo ávidos de dinheiro e um orçamento ilimitado. E, por outro lado, uma mentalidade militarista completamente desprovida de qualquer sentimento de solidariedade, como Big Phil demonstrou à saciedade ser possuidor e logo desde o início, ao ostracisar Vítor Baía um dos melhores guarda-redes do mundo. E sem dar satisfações a ninguém. E fê-lo, não para optar não por um guarda-redes melhor, mas para optar por uma personalidade mais débil, quer dizer, mais fácil de controlar e completamente desprovida de jogo aéreo.
Portanto, os portugueses devem estar curiosos para ver qual vai ser o comportamento e os resultados de Big Phil no Chelsea, tanto mais que pelas suas atitudes relativamente a Ronaldo já começou a meter lenha na fogueira em que vai ser queimado. Em Londres, Big Phil não vai ter jogadores dóceis como o Nuno Gomes, não vai ter dirigentes fáceis como o Madail, não vai ter jornalistas débeis como o António José, não vai ter apaniguados vesgos sempre prontos a engolir qualquer bacorada como os portugueses e não vai ter uma Nossa Senhora para todas as aflições, na medida em que os ingleses são protestantes e como Max Weber explicou levam a religião muito mais de acordo com a dureza do trabalho. Perante este cenário, estamos em crer que o Big Phil de Chelsea, vai certamente recordar com saudades a rica vidinha do Felipão de Cascais.
E estamos curiosos para saber como é que os jogadores e os “supporters” do Chelsea se vão adaptar ao pensamento estratégico de Big Phil. Recordemos que, à sua chegada a Portugal, Big Phil, perante uma sala embasbacada, proferiu uma brilhante palestra aonde definiu “stratégia” como a «planificação do trabalho com inteligência visando atingir um objectivo». Para expressar melhor a sua inteligência, não fosse a estratégia tida como a arte dos militares, pois já na antiga Grécia o “stratego” era o chefe máximo que organizava a defesa da cidade, Big Phil, ao tempo simplesmente Scolari, não hesitou em revelar a sua costela castrense, afirmando que «no Brasil dizem que sou um pouco militar. Que bom, porque com um regime militar as coisas são feitas com disciplina».
A finalizar diremos que, no nacional futebolismo, aquilo que separa um treinador com conhecimento de um otário com sorte não é perceptível a qualquer tutólogo (pessoa que sabe de tudo). Nem mesmo o Professor do primeiro canal que gosta de se pronunciar sobre todo e qualquer assunto, tem capacidade para equacionar a questão. O factor sorte pode deitar por terra as mais elevadas conjecturas científicas, bem como elevar à mais alta categoria do pensamento humano o maior dos imbecis. Por isso, a escolha do novo treinador nacional é uma tarefa da maior importância. Defendemos mesmo que ela seja decidida em Conselho de Ministros. Até porque, nos tempos que correm, o seleccionador nacional é a primeira figura do Estado, sobretudo num país em que, ao contrário daquilo que o Presidente afirma, não há vida para além do futebol.


(*) Com António Cunha (FD-UP)

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