sexta-feira, 30 de maio de 2008

Opinião: Gustavo Pires







Algumas Recomendações Úteis
para o Luiz Felipe

A estratégia, na dinâmica da batalha que é cada jogo, consuma-se na configuração táctica. E esta, organiza-se de acordo com a intenção estratégica do inimigo.

Gustavo Pires (*)

O Luiz Felipe sabe que o jogo se desenrola num ambiente agónico onde as vontades dos treinadores se confrontam numa dialéctica de soma nula. E assim ficam criadas as condições para que a estratégia possa acontecer.
A estratégia é essencialmente uma construção intelectual, quer dizer, um sistema de pensamento fortemente condicionado por factores de índole técnica e cultural, bem como por considerações de ordem ética e moral. E porque? Porque a estratégia no seu fundamental é a arte de, quer directa, quer indirectamente, empregar a violência controlada, a fim de submeter o adversário e alcançar os fins previamente determinados.
Mas, o Luiz Felipe sabe que, no domínio de complexidade extrema em que se desenrola o pensamento estratégico, as receitas são falaciosas na medida em que as decisões serão sempre adoptadas em função de uma determinada conjuntura. Se 2006 não foi 2004, 2008, não será certamente nem 2004 nem 2006.
A estratégia, na dinâmica da batalha que é cada jogo, consuma-se na configuração táctica. E esta, organiza-se de acordo com a intenção estratégica do inimigo. A oportunidade do Luiz Felipe é que os treinadores ao longo dos tempos, reduziram a estratégia ao consumar táctico do jogo. Na realidade, a palavra estratégia não faz parte do léxico dos treinadores. E quando faz, geralmente nem é utilizada no seu verdadeiro sentido. Quer dizer, os treinadores reduziram o jogo à sua dimensão mais simples, desprovendo-o do sentido estratégico do confronto, e limitando-o a uma disposição das pedras nas quatro linhas. Contudo, se aparentemente o dispositivo táctico é uma questão simples a resolver, por outro lado, não quer dizer que seja fácil na medida em que só funciona na sua plenitude se estiver consubstanciado numa visão estratégica que dá um sentido ao confronto.
Porque, na batalha que é o jogo, o objectivo principal consiste na ruptura da formação de combate do adversário e na subsequente desorganização da equipa. Nesta perspectiva, o fim último da cada batalha consiste em desorganizar a coerência do dispositivo constituído pela muralha de combatentes adversários. E a desorganização da muralha adversária que é a configuração táctica passa por conhecer o próprio adversário. Conhecer os dirigentes, o treinador, os jogadores e os seus líderes, bem como os próprios apaniguados. É necessário conhecer a cultura que anima a equipa adversária, a sua dinâmica interna e a perspectiva com que ataca o jogo. E quando o Luiz Felipe o faz, muda de um paradigma táctico para um estratégico, aumentando, deste modo, o padrão de complexidade de análise do jogo e da organização da vitória.
Assim, o Luiz Filipe tem de começar por determinar em que condições pode provocar a desorganização de cada equipa adversária. Porque, ao Luiz Felipe não lhe chega ter dos melhores jogadores do mundo. Eles até, só por si, podem ganhar jogos. Contudo, determinar as condições de desorganização da equipa adversária só Luiz Felipe o pode fazer. E este é o verdadeiro sentido estratégico do pensamento do treinador. Se é que o treinador serve para alguma coisa.
Tradicionalmente, a desorganização da equipa adversária resulta de uma de duas acções: (1) envolvimento; (2) ruptura. O problema é que isto faz parte do conhecimento de qualquer treinador. E eles esperam que os seus jogadores sejam capazes de agir em conformidade. Por isso, o Luiz Felipe, tal como qualquer outro treinador, sabe que a escolha depende: (1º) Da relação de forças em presença; (2º) Das características do adversário; (3º) Da eficácia da manobra ofensiva relativamente à defensiva do adversário.
Se a manobra de envolvimento requer uma mobilidade maior que a primeira linha de jogo, a manobra de ruptura exige um poder ofensivo superior. Na arte da guerra, o envolvimento aconteceu ao longo dos tempos através das alas formadas pela cavalaria e, mais recentemente, por tropas mecanizadas e blindadas. Atenção Luiz Felipe, nestas circunstâncias, a capacidade de progressão no terreno é o factor principal de decisão. Quanto à manobra de ruptura tem de ser conseguida através de uma boa combinação de elementos de choque – cavalaria couraçada, elefantes e modernamente carros de combate – e fogo que evoluiu das pedras, dos dardos e das flechas, até se atingir a infantaria e a artilharia. Atenção Luiz Felipe, nestas circunstâncias, a capacidade de fogo é o factor principal de decisão. Contudo, Luiz Felipe, desta feita, a mobilidade da equipa em termos de recuperação no terreno é de fundamental importância nas manobras de ruptura, uma vez que estas só são conseguidas através da vantagem numérica. A vantagem numérica no ataque desprotege a defesa e o atrito próprio do jogo pode deitar tudo a perder, na medida em que, teoricamente, quem defende está em vantagem competitiva se souber manter a intenção do contra-ataque no dispositivo da defesa. Por isso, Luiz Felipe, o problema está em determinar quem, na equipa dos Viriatos, são os cavalos, os elefantes e os carros de combate que, nas manobras de envolvimento e ruptura, apedrejam, lançam e disparam sobre o inimigo.
Mas o problema, Luiz Felipe, é que tudo isto sendo importante não é o mais importante. Como diria Clausewitz, a melhor estratégia é ser sempre muito forte. Primeiro, em termos amplos, e, depois, no ponto decisivo. Assim, agora, o importante é determinar qual é o ponto decisivo. Apurar o ponto decisivo é apurar o ponto de maior fraqueza do adversário. Luiz Felipe, apurar o ponto de maior fraqueza do adversário é bem mais importante do que conhecer as próprias forças.
Por isso, a primeira questão é: Qual é o ponto mais fraco do adversário?
A segunda questão é: Quem lhe fornece a informação que, depois, o Luiz Filipe há-de transformar no conhecimento capaz de organizar a vitória?
Possuir este conhecimento, pode ser determinante para a possibilidade do Luiz Felipe ficar em primeiro lugar, em vez de ficar em segundo, terceiro ou quarto. E hoje, os associados já não se contentam com o quarto, terceiro ou segundo. Eles, na sua alienação nacionalista, exigem-lhe o primeiro.
Como o Luiz Felipe sabe, às vezes, o ponto fraco de uma equipa é uma pequena vaidade do treinador, um ego demasiado volumoso, uma pesporrência excessivamente afirmativa, uma relação delicada com a comunicação social, um certo rei na barriga, uma questiúncula de opiniões com os comentadores, um desprezo profundo pela inteligência alheia. Nestas circunstâncias, até é fácil dizer quem é o burro.
Mas é aí que o Luiz Felipe tem de investir. Quer dizer, tem de investir no burro que está dentro de cada treinador. Ou melhor, naquilo que cada treinador tem de burro. Em todas as suas fraquezas, de maneira a anular-lhe as forças. Não é fácil. O ponto mais débil do adversário é desconhecido e ele fará tudo para o esconder. Assim, é necessário saber descobri-lo, mas isso não está ao alcance de qualquer um.
Descobrir o ponto fraco de um treinador é meio caminho para provocar a desorganização da equipa adversária. Aquilo que qualquer treinador mais deve desejar é colocar a equipa adversária em desagregação organizativa. O que visa com a desorganização é provocar um “choque psicológico”. O “choque psicológico” conduz invariavelmente à desintegração do elo moral que une os jogadores. A quebra do elo moral da equipa transforma-a numa horda de indivíduos, sem objectivos nem método e, em consequência, numa presa fácil para o adversário.
Uma vez conseguida a desintegração do inimigo, o “jogo da guerra” entra na sua fase mais sublime que é a do massacre, em que a equipa derrotada é trespassada pelas armas dos vencedores. Assim, o fundamental é que Luiz Felipe coloque os seus jogadores em situação de terem de lutar até à morte se quiserem sobreviver, e os adversários numa sedutora opção de fuga, de maneira a que se lhes esmoreça a vontade de combater. Para isso, tem de lhes descobrir o ponto fraco.
Luiz Felipe, o esquema de batalha nunca é linear. Como tudo seria fácil se a dinâmica de jogo fosse linear. Assim, o maior erro dos treinadores é tentarem organizar linearmente o jogo numa perspectiva de supervisão directa quando o jogo, em si, só se pode desenvolver na plenitude da sua excelência através do ajustamento mútuo da inter-relação de cada jogador com todos os outros, porque cada um deles deve ser portador do plano global da operação da equipa. Neste jogo, todos têm a ver com todos. Depois, quanto menos o Luiz Felipe intervir tanto melhor para a equipa, na medida em que após o lançar dos dados, como afirmou Júlio César ao arrancar para a conquista de Roma, a fortuna fica na vontade dos deuses.

(*) Com António Cunha (FD-UP)

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