sexta-feira, 9 de maio de 2008

Opinião: Gustavo Pires






A Síndrome Sérgio Silva

Todos estamos de acordo que o futebol tem um potencial extraordinário em termos educativos, desportivos, políticos, económicos e sociais. E tem, uma enorme margem de crescimento do ensino à indústria do entretenimento, passando pelos mais diversos sectores de actividade económica e grupos sociais. Por isso, o futebol, tem grandes desafios à sua frente e as oportunidades para os concretizar são inúmeras. Em termos potenciais o futebol não podia estar em melhor situação.
Contudo, é fácil de ver que existe uma enorme distância entre aquilo que o futebol, na realidade, é, e aquilo que potencialmente poderia ser. Se o futebol potencial se apresenta com um cenário de possibilidades aliciantes, já o futebol real está doente, padece da síndrome Sérgio Silva e vai a passos largos a caminho da entropia.
Esta discrepância entre o potencial e o real, está bem expressa no site do Boavista Futebol Clube quando lá se diz que: “o futuro é já hoje”. Os jogadores que o confirmem. Hoje, o Boavista está moribundo e estrebucha para não cair na cova. No entanto, todos sabemos que o Boavista é um clube de valiosos pergaminhos e podia ter um futuro bem extraordinário.
O que se passa com o Boavista passa-se com muitos outros clubes. Apesar de poderem ter um futuro risonho estão em grandes dificuldades. E o país, a menos que aconteça uma mudança radical de atitudes e comportamentos, arrisca-se a transformar-se num cemitério de clubes de futebol.
Entretanto, quando se esperavam soluções verdadeiramente engenhosas para tirar o futebol do buraco em que se encontra, a única coisa que os nossos queridos dirigentes são capazes de proporem é mais do mesmo. E nesta estratégia de mais do mesmo o presidente da Liga de Clubes de Futebol Profissional, Hermínio Loureiro, anunciou ao seu estilo, quer dizer, com pompa e circunstância, que vai apresentar em Assembleia-geral da dita um “conjunto de pressupostos” que obviem o incumprimento salarial por parte dos clubes, sob pena de perderem pontos no campeonato. Nem mais.
Hermínio Loureiro é um especialista em marcar golos de consolação, quando a equipa está a perder por quatro ou cinco a zero. Quer dizer, são golos que não servem para nada. Foi assim na Secretaria de Estado do Desporto com a Lei de Bases do dito, que não chegou sequer a funcionar por falta de regulamentação. De facto, marcou o seu golito, fez a sua lei, contudo, foi um golo absolutamente inútil que custou bem caro aos contribuintes. “Nas últimas Assembleias gerais da Liga, fizemos mais de 200 alterações regulamentares…”, disse Hermínio! É obra. Mas perguntamos: Serviram para alguma coisa? Aparentemente está tudo na mesma!
Agora, Hermínio Loureiro, vem-nos com mais uma solução milagrosa, e milagrosa na medida em que só funcionará se acontecer um verdadeiro milagre. Ele quer resolver os embaraços financeiros dos clubes de futebol da Primeira Liga. Vai daí, engendrou um sistema de controlo que, como sempre, não vai controlar coisíssima nenhuma. O pior que se pode fazer à gestão é confundi-la com o controlo. É uma ofensa que a gestão não merece. Infelizmente, quando os dirigentes não vislumbram verdadeiramente o que gerir, apressam-se a controlar aquilo que estiver mais à mão. Os calotes aos vencimentos serviram de pretexto. Em consequência, o produto mais significativo do desporto português não é uma taxa de participação desportiva digna de um país desenvolvido da Europa. Uma taxa que contribuísse para alterar a cultura de incompetência e corrupção que, salvo as habituais excepções, graça no desporto. O produto mais significativo do desporto português é um emaranhado de regras, de normas, de diplomas, de leis, de decretos, de conjuntos de pressupostos e quejandos, renovados em cada ciclo político que, com uma excepção ou outra, só servem para dar vazão à necessidade esquizofrénica de comando pelo controlo, da generalidade dos nossos dirigentes.
Agora, a alquimia que vai revelar a “pedra filosofal” que eventualmente transformará os nossos queridos dirigentes desportivos de incompetentes em competentes, de desonestos em honestos, de corruptos em incorruptos, não passa de um labiríntico arrazoado de “pressupostos para a inscrição nas competições profissionais”, que ilusoriamente vão garantir que os atletas deixem de estar continuamente sujeitos às contingências dos atrasos e dos calotes de que os seus vencimentos são vítimas! Até parece que nem vivemos num estado de direito em que este género de coisas já está na respectiva lei! E assim, quando Hermínio Loureiro diz que “o futebol não é uma ilha” (Record, 7/5/08) ele está precisamente a transformar o futebol numa ilha. E quando afirma que “o objectivo é melhorar as prestações competitivas” ele está precisamente a desvirtuar ainda mais a já medíocre dinâmica competitiva do campeonato. Até parece que não assistiu ao que se tem vindo a passar no futebol indígena de há vinte anos a esta parte!
Um campeonato que termina com duas equipas a lutar desesperadamente pelo segundo lugar, a vinte e mais pontos do primeiro classificado, é um campeonato sem viabilidade desportiva. A bem dizer, não é um campeonato, é uma anedota. Num país com um mínimo de cultura desportiva, os patrocinadores não punham lá um cêntimo. Um campeonato com 16-18 equipas que nos últimos vinte anos foi ganho 14 vezes pela mesma equipa, e tudo indica que vai continuar a ser, é um campeonato que não é portador de futuro. O problema é que em Portugal os patrocínios, sobretudo quando se trata de dinheiros públicos, são realizados à “vara larga”.
O que vai acontecer é que, o buraco entre as equipas que eventualmente pagam os vencimentos a tempo e aquelas que eventualmente não pagam os vencimentos a tempo, ainda vai ser maior. E para que isto não aconteça, Hermínio Loureiro vai ter que fechar os olhos. E, ao fechar os olhos, vai ficar tudo na mesma. Em conformidade, este tipo de medidas a funcionar na lógica do controlo, mais uma vez, só vai provar que quem quer gerir com alguma eficácia em termos de organização do futuro tem de ser capaz de o fazer a montante dos problemas. Gerir a jusante dos problemas, por melhores que sejam as intenções e acreditamos que sejam essas as de Hermínio Loureiro, é deixar tudo na mesma e, na situação concreta, permitir que a síndroma Sérgio Silva continue a funcionar no futebol nacional com o esplendor que um Portugal atónito teve a oportunidade de ver na televisão há bem pouco tempo.

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