sexta-feira, 2 de maio de 2008

Opinião: Gustavo Pires







Laurentino o Domador
de Sapos Vivos


O que sabemos é que entre a proposta do Governo e as inúmeras alterações sugeridas pelos diversos conselheiros vai uma enorme distância de paradoxos, impossibilidades e contradições.

Depois de muito contestado, o Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) lá foi aprovado não se sabe muito bem como, até porque entre a penúltima reunião do Conselho Nacional do Desporto (CND) e a última realizada no passado dia 28 de Abril não demos por que tivesse acontecido alguma coisa susceptível de fazer mudar a opinião dos conselheiros. Pelo seu lado, a do Secretário de Estado, Laurentino Dias, felizmente não mudou. Na realidade, as grandes questões que inicialmente formatavam o projecto diploma foram reafirmadas por Laurentino Dias. São cinco: (1) Um sistema equilibrado entre os vários agentes; (2) A limitação de mandatos; (3) A renovação da utilidade pública desportiva cada quatro anos; (4) A responsabilidade executiva das federações desportivas; (5) Aumento do poder dos presidentes das federações desportivas. Se estes princípios são o que parecem estamos de acordo.
Todavia, é evidente que estas opções em matéria de política desportiva tem pouco ou nada a ver com a narrativa socialista, antes pelo contrário, representam muito mais uma visão liberal do desenvolvimento do desporto com a responsabilização efectiva do associativismo desportivo, reservando para o Estado uma acção de controlo tanto a montante como a jusante do sistema, visão esta muito mais próxima duma ideologia social democrata do fenómeno desportivo do que uma propriamente socialista caracterizada por fundamentalmente intervir no processo. E ainda bem.
Deste modo, Laurentino Dias dá um golpe de morte nos efeitos perversos que foram sendo consolidados ao longo dos anos, por um sistema construído na base de uma certa inocência emanada do 25 de Abril que, com o tempo, foi sendo contaminada pelos mais diversos interesses que já nada têm a ver com o sentido de missão que deve presidir às organizações não governamentais, e, sobretudo, o espírito de serviço público que deve orientar os dirigentes desportivos do vértice estratégico do desporto. Contudo, Laurentino Dias, no seu liberalismo muito pouco genético, também não deve exagerar atribuindo um cheque de dois milhões para as corridas de automóvel, nem permitir que dirigentes desportivos ditos benévolos, para além das suas reformas, aufiram olimpicamente 2500 euros por mês, à conta do erário público. Liberalismo sim…, mas nada de exageros, sobretudo se for realizado com o dinheiro dos contribuintes.
Para já, o problema é que, com a aprovação do RJFD não sabemos o que é que realmente os conselheiros aprovaram! Segundo a comunicação social, o Secretário de Estado «vai analisar as propostas de alteração dos diversos conselheiros e apresentará ‘brevemente’, em Conselho de Ministros, o texto final». A ser assim, uma vez que tudo leva a acreditar que houve uma “votação no escuro” em que só Mandaíl se absteve, o CND assume desportivamente o estatuto de simples “correia de transmissão” do Governo, o que contraria de sobremaneira os princípios de ordem liberal demonstrados por Laurentino Dias. Nestas circunstâncias, estamos na presença de uma situação de liberalismo a menos o que, nos tempos que correm, também não é nada recomendável.
Na realidade, não se conhece, nem que se saiba foi divulgado um texto definitivo do RJDF. O que sabemos é que entre a proposta do Governo e as inúmeras alterações sugeridas pelos diversos conselheiros vai uma enorme distância de paradoxos, impossibilidades e contradições. Assim, Laurentino Dias, perante a teia de interesses, oportunismos e dependências psicológicas do tipo do “olímpico horror ao day after” de um certo dirigismo desportivo bacoco, até nem nos parece que esteja perante um algoritmo muito complicado. Pelo seu lado, alguns conselheiros do CND estão perante um problema bem difícil de resolver que é o de terem de explicar os sapos vivos que vão certamente ter de engolir.

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