sexta-feira, 11 de abril de 2008

Opinião — Vinhais Guedes






Jogos Olímpicos e não só

Há cerca de dois meses, escrevi neste semanário que os Jogos Olímpicos de Pequim corriam alguns riscos. Contudo, a sua realização nunca estaria em causa dada a dimensão dos interesses envolvidos. Admitia, como tem vindo a acontecer ao longo da história dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, que viessem a ocorrer alguns contratempos de carácter político e de direitos humanos, podendo ensombrar o brilho que a RP da China lhes iria emprestar.
O problema do Tibete foi por mim referido como oportunidade para que os seus habitantes aproveitassem o peso de um evento único, para se manifestarem contra a ocupação do seu território.
Enganei-me só no “timing” e na dimensão deste problema. Sempre pensei que o Tibete e os seus cidadãos tomariam iniciativas para mostrar ao mundo os direitos que lhe são negados, reduzidos à condição de cidadãos de segunda classe, isto dentro do seu próprio país, sem direitos e perseguidos na sua “própria casa”.
Enganei-me também quanto à dimensão e impacto das acções que têm levado a efeito os monges. Não foi tanto a população que aproveitou a oportunidade, mas os monges tibetanos que ali residem. Quando entra a religião nestas coisas, e muito embora o seu líder supremo emigrado na Índia, Dalai Lama, seja um líder espiritual pacifista, os seus seguidores residentes em Lhassa, capital do Tibete, mostraram-se impacientes com as posições conciliadoras do seu líder e enfrentaram directamente a autoridade chinesa que ali mantém a ordem, reprimindo toda e qualquer manifestação pró-independência daquele território.
O Dalai Lama tem reclamado de forma pacífica e simples à RP da China um estatuto especial para o Tibete por forma a que a cultura e tradições deste antigo país permaneçam inalteráveis. Um tipo de estatuto idêntico ao que vigora em Macau e Hong-Kong (regiões especiais).
O Líder espiritual do Tibete nunca defendeu o boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim, argumentando que este grande evento pode vir a sensibilizar a opinião pública mundial para a forma como vivem os Tibetanos no seu próprio país.
A reacção dos monges tibetanos ao enfrentarem o exército chinês, pondo em causa a própria vida, teve um grande impacto internacional causando uma verdadeira surpresa e uma pedra no sapato dos políticos chineses.
Neste momento existe já um movimento constituído pela França, Inglaterra, Polónia, República Checa e Eslovénia que defende um boicote às cerimónias oficiais de abertura destes jogos.
A tudo isto a RP da China responde tratar-se de um problema de ordem interna não admitindo pressões e críticas vindas do exterior.
Muitos destes acontecimentos apanharam-me, por coincidência, numa visita que fiz ao Sul da China, a Hong-Kong e a Macau. Em nenhuma destas regiões especiais foi dada grande importância ao caso do Tibete e às notícias veiculadas no Ocidente e nos Estados Unidos. Contudo em Macau a imprensa Portuguesa noticiou os factos ocorridos sem tecer grandes comentários, mas a CNN e a ABC News deram grande destaque a este tema.
Entretanto, a vida nestas regiões administrativas especiais não pára de crescer. Macau conta já com 24 casinos em permanente actividade e mais quatro para inaugurar brevemente batendo todas as receitas na chamada indústria do lazer – jogos de sorte e azar – conseguindo ultrapassar todos os recordes e colocando-se à frente dos casinos de Las Vegas nos EUA!
A parte história desta cidade continua intacta e bem cuidada com a calçada à portuguesa a servir de tapete nas zonas históricas e respectivos passeios. As ruínas de S. Paulo continuam a ser o ex-libris da antiga colónia portuguesa. Aos fins-de-semana torna-se quase impossível andar nesses locais, tamanha é a invasão de cidadãos chineses que visitam Macau. Os locais atrás referidos são o cenário preferido para tirar milhares de fotografias.
As poucas centenas de portugueses que por lá trabalham, na aérea do direito, na arquitectura e alguns, poucos, na própria administração de Macau, vão dignificando com o seu trabalho e competência o nome de Portugal. Por outro lado, e como era de esperar, a língua portuguesa está hoje reduzida a muito poucos milhares de pessoas, numa população que ultrapassa o meio milhão.
Em devido tempo defendi que deveríamos apostar não na língua portuguesa que nesta zona do mundo de nada serve, mas sim no “Made in Portugal”. Alguns chamaram-me pessimista, mas actualmente e para desgosto de muitos a realidade está à vista.
Relativamente aos Jogos Olímpicos de Pequim e aos efeitos e repercussões que poderão vir a provocar, na política interna da RP China, só o tempo o dirá.
Assim, neste ano que termina em oito, no mês oito, no dia oito e às oito horas da manhã, número da sorte para os chineses, a grande tenda do Desporto Olímpico Mundial abrirá com as cerimónias habituais.

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