sexta-feira, 11 de abril de 2008

Opinião — Gustavo Pires







Entre uma Diplomacia Silenciosa
e uma Diplomacia de Silêncio


Aqueles que seguem, com alguma atenção, o que se tem vindo a passar no Movimento Olímpico já começaram a perceber que o COI tem vindo paulatinamente a modificar a sua tradicional posição institucional quanto às grandes questões políticas, económicas e sociais que abalam o Mundo.

O Presidente da República, Cavaco Silva, declinou o convite para assistir à abertura dos Jogos Olímpicos de Beijing. Não são conhecidas as razões, a não ser as tradicionais dificuldades de agenda, no entanto, o Comité Olímpico de Portugal (COP) emitiu um comunicado onde «esclarece que não existe qualquer relação entre a conjuntura política actual e a ausência do Presidente da República nos Jogos Olímpicos de Pequim» (Público, 20/3/08). O comunicado subvaloriza a capacidade de análise dos problemas de Cavaco Silva, desde logo porque há muito que se sabe que as coisas com a China no que diz respeito ao Darfur, ao Tibete e aos Direitos Humanos não vão bem e estas questões irão muito provavelmente perturbar a organização dos Jogos Olímpicos. Tendo em conta o que aconteceu com Jorge Sampaio em Atenas, Cavaco Silva faz muito bem em não se querer misturar na confusão que certamente vão ser os Jogos de Beijing.
O comunicado do COP, que pretende explicar a atitude do Presidente da República, vem na sequência do nervosismo que os dirigentes dos Comités Olímpicos Nacionais (CON) por esse mundo fora estão a revelar no que diz respeito aos problemas políticos e sociais que envolvem os Jogos de Beijing. Este nervosismo revela bem a completa ausência de sentido de realidade em que têm vivido, no que diz respeito àquilo que hoje verdadeiramente representa o Olimpismo e o desporto. E a posição dos presidentes dos CON é tanto mais patética quanto contrasta com a posição do Comité Olímpico Internacional (COI), que através do seu Presidente, Jacques Rogge, há muito que estabeleceu as regras do jogo. De facto, aquando da atribuição da organização dos Jogos da XXIX Olimpíada a Beijing, numa entrevista à BBC (25/4/02), Jacques Rogge fez questão de afirmar que tinha deixado ficar claro aos chineses que «esperava que o padrão de direitos humanos melhorasse, sob pena do COI ter de, sobre o assunto, tomar uma decisão». É evidente que ninguém estava ou está à espera que Jacques Rogge tome qualquer decisão espectacular, no entanto, o que já é possível verificar é uma atitude completamente diferente do COI relativamente ao passado. E parece que os presidentes dos CON ainda não deram por isso.
Aqueles que seguem, com alguma atenção, o que se tem vindo a passar no Movimento Olímpico já começaram a perceber que o COI tem vindo paulatinamente a modificar a sua tradicional posição institucional quanto às grandes questões políticas, económicas e sociais que abalam o Mundo. Duma posição de recusa em tomar parte, passou para uma posição de condescendência para, agora, assumir uma outra muito mais positiva que pode ser classificada como catalítica.
Num comunicado emitido na véspera da cerimónia do atear da Chama Olímpica, Jacques Rogge, perante o espanto de um certo Olimpismo a viver à margem das realidades do mundo, afirmou ser a cerimónia do acender da Tocha Olímpica um momento propício à reflexão acerca da missão do COI. Depois, durante a cerimónia em Olímpia, o presidente do COI sem alvoroços e sem quaisquer dramas mostrou-se empenhado numa “diplomacia silenciosa”, no sentido de obrigar o regime de Beijing a não mudar porque não seria realista pretender que a China por motivos desportivos mude a sua política de um dia para o outro, mas a ir mudando a sua atitude quanto à questão do Darfur e do Tibet, bem como aos Direitos Humanos. Mas Jacques Rogge afirmou também que «o COI é uma organização desportiva que não pode fazer mais do que juntar-se aos líderes mundiais num apelo para que seja encontrada uma solução pacífica para o problema». Ora, esta posição do COI representa uma mudança radical relativamente ao passado dominado por uma “diplomacia do silêncio” preconizada pelo antigo presidente do COI, Avery Brundage (1887-1975), quando dizia: «se aceitamos que, num mundo imperfeito como o nosso, se deixe de praticar desporto, cada vez que as leis humanas são violadas, nunca haverá competições internacionais.»
Infelizmente, os nossos dirigentes ainda estão numa “diplomacia de silêncio” quando afirmam, como o fez o Presidente do Comité Olímpico de Portugal, que «se [os atletas] não quiserem, podem não ir, mas se vão aceitam as regras da Carta Olímpica» (Público 14/2/08). Uma proclamação deste tipo significa para qualquer bom entendedor que, se os atletas quiserem ir devem estar calados. Por outro lado, quando o Chefe da Missão portuguesa afirma «nós somos desportistas, cumprimos a carta olímpica e deixamos a política para os políticos», também está a honrar uma “diplomacia de silêncio” que, no fundo, transforma os atletas em “bestas esplêndidas”. Gostaríamos de saber o que é que a este respeito pensa a “Comissão de Atletas Olímpicos”. Revê-se na posição do Chefe de Missão? Em nossa opinião, os atletas não são, nem em quaisquer circunstâncias podem ser tidos como “alienados sociais” que deixam a política para os políticos. Estes senhores deviam estar mais atentos ao que se está a passar em termos do Movimento Olímpico. Por exemplo, Jacques Rogge, ao dirigir-se a 205 Comités Olímpicos Nacionais numa reunião realizada em Beijing (Notícias do COI, 10/4/08) afirmou que «a capacidade de alguém expressar a sua opinião é um direito humano básico e como tal não necessita de ter uma cláusula específica na Carta Olímpica porque está lá implicitamente». Jacques Rogge está, de facto, a provocar uma reviravolta no Movimento Olímpico. E disse mais: «A aplicação deste regulamento [a Carta] está no domínio do senso comum.»
Assim, os nossos dirigentes deviam dar mais atenção àquilo que o Presidente do COI tem para lhes dizer. Porque, se lhe derem um pouco de atenção, compreenderiam que, em vez de andarem preocupados com os atletas que eventualmente até poderão quer exprimir a sua opinião, deviam era estar preocupados com aqueles que, por razões que serão só suas e com as quais ninguém tem nada a ver, desejam usufruir do direito de não emitirem qualquer opinião. Até porque a este respeito Jacques Rogge também foi claro: «Se os atletas genuinamente desejarem expressar as suas opiniões, tudo bem. Mas não nos esqueçamos que também existe um direito de não expressar opinião. Os atletas não devem sentir qualquer obrigação moral de terem de falar.»
É com este tipo de assuntos, que visam fundamentalmente defender os interesses dos atletas, que os nossos dirigentes deviam andar preocupados. Será que entre tantas viagens eles ainda têm tempo?

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