segunda-feira, 21 de abril de 2008

Opinião: Manuel Sérgio








Para um socialismo do século XXI (I)

E, porque a flecha do tempo é incontornável, procuremos, por entre a crise do capitalismo, os novos paradigmas para as novas e incómodas questões que percorrem os nossos dias.

1. Em "O que é a filosofia?" lembra Ortega y Gasset que, no “Sofista”, Platão define a filosofia como a «ciência dos desportistas». Se a realidade é ontologicamente fixa, imóvel, ou em estado de permanente devir, qualquer filósofo de inteligência pronta e espírito vivo encontra aí vários motivos de reflexão. «De facto, o homem revela-se numa perfeita continuidade biológica com aquilo que o precede. Em contrapartida, a descontinuidade humana situa-se num plano totalmente diferente e constitui um fenómeno extraordinário: trata-se de uma evolução de comportamentos, de uma "etiologia" que, no essencial, deixou de ser determinada por fenómenos biológicos. No caso da vida, é a primeira célula que cria o substracto da evolução (a evolução biológica); no caso do homem, é o momento a partir do qual, em virtude de uma evolução biológica, o ser humano começa a engendrar uma cultura que interage com as suas possibilidades cognitivas. A partir daí, a sua evolução comportamental e o desenvolvimento das suas capacidades técnicas cessam totalmente de ser algo de biológico e passam a ser exclusivamente de ordem cultural» (Albert Jacquard e Axel Kahn: “O Futuro não está escrito”, Instituto Piaget, Lisboa, 2004, p. 29). Na realidade, «a transmissão da maior parte dos comportamentos não se deve aos genes» (idem, ibidem, p. 69). Que o mesmo é dizer: o determinismo biológico tem os seus limites. Darwin não o entendia assim: com o domínio dos mecanismos da evolução e das leis da natureza, encontrar-se-ia a chave da compreensão da produção cultural humana. Não sou um perito na matéria, mas julgo que, hoje, a sociobiologia diz o mesmo.
No entanto, será possível o progresso com o itinerário que aponta a “lei do mais forte” e com os desmandos que dela decorrem? É possível ponderar o progresso, sem solidariedade social? «A teoria liberal baseia-se na apologia do egoísmo. Quando lemos Adam Smith, encontramos este tipo de asserção: se temos pão para nos alimentarmos, isso não se deve à bondade do padeiro mas, bem pelo contrário, ao seu egoísmo. Com efeito, o padeiro dirigiu-se ao mercado a fim de vender o seu pão o mais caro possível e, ao mesmo tempo, outros foram lá comprar o seu pão o menos caro possível. Ora, segundo Adam Smith, é do encontro desses egoísmos que resulta o “optimum” colectivo. A visão actual dos americanos é absolutamente idêntica: sejamos egoístas, pois dessa forma contribuiremos para melhorar a sorte colectiva» (idem, ibidem, pp. 101/102).
Jean-Pierre Dupuy alerta para o facto de uma primeira série dos argumentos adiantados por Hayek (um liberal confesso) já se encontra gravada por Rawls, na sua “Teoria da Justiça”. «Os resultados do mercado são em si mesmos desprovidos de qualquer valor moral. São eticamente cegos. Tudo o que se pede ao mercado é que seja eficaz» (“Ética e Filosofia da Acção”, Instituto Piaget, Lisboa, 2001, p. 299). As desigualdades chocantes, as conflagrações mundiais, a ausência de relação dialógica, a globalização da injustiça social compõem este cenário que o neoliberalismo promove e que a embriaguez do lucro tornará absolutamente insuportável. Francis Fukuyama julgou-se um jovem impertinente que se permitia atitudes rebeldes quando referiu a democracia liberal como o «fim da História». Demais, os aplausos estrugiram, entre aqueles que o rodeavam. Ora, o fim da História será o fim da humanidade — o que não se vislumbra, à vista desarmada. E, porque a flecha do tempo é incontornável, procuremos, por entre a crise do capitalismo, os novos paradigmas para as novas e incómodas questões que percorrem os nossos dias. O socialismo é, no mundo da política, o primeiro dos paradigmas favoritos...

(Continua)

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