sexta-feira, 28 de março de 2008

Opinião — Gustavo Pires







Comité Olímpico Internacional
— Tempos de Mudança

De uma posição que acefalamente defendia que o Olimpismo nada tinha a ver com a política, o COI passou para uma posição em que, inteligentemente, o Olimpismo é considerado como um catalisador de mudança.


A pergunta é: Um país que condena um dissidente – Yang Chunlin – a cinco anos de cadeia por subversão, simplesmente por ter dito que «a China precisa de respeito pelos Direitos Humanos em vez de Jogos Olímpicos», pode organizar os Jogos Olímpicos?
A nossa resposta é afirmativa na medida em que consideramos que, tal como afirmou o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Jacques Rogge (comunicado COI, 23/3/08), o Olimpismo é um catalisador de mudança, que contribuirá para uma maior responsabilização da China pelos Direitos Humanos. De facto, se assim não for, o Olimpismo através dos Jogos Olímpicos não passa de uma máquina de fazer dinheiro sem qualquer sentido social.
O Olimpismo só pode ser um factor de mudança em regimes de ditadura, se os Jogos proporcionarem a oportunidade aos governos, ONG, mídia, atletas, treinadores e dirigentes, bem como a todos os cidadãos por esse mundo fora, a possibilidade de, sempre que for caso disso, manifestarem civilizadamente o seu descontentamento.
E foi o que militantes da Associação Repórteres Sem Fronteiras (RSF) fizeram ao perturbarem a cerimónia do acender da chama dos Jogos Olímpicos, que tradicionalmente se realiza em Olímpia na Grécia. Claro que o governo grego condenou o incidente em Olímpia, denunciando um acto que «não tem nenhuma relação com o espírito olímpico»! Claro que só não tem a ver na opinião deles, na medida em que o acto, que passou nas televisões de todo o Mundo, excepto na China, tem tudo a ver com o Olimpismo e já está a fazer com que a China amoleça a sua linha dura. Por exemplo, abriu o acesso ao site da BBC (26/3/08).
E Jacques Rogge a este respeito foi claro: «Acreditamos que a China mudará abrindo-se ao escrutínio do mundo através dos 25000 representantes dos mídia que assistirão aos Jogos.» E os governos dos países ocidentais até devem ajudar, ameaçando boicotar e, se necessário for, boicotando mesmo a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos.
Na realidade, o regime chinês só abrirá se for pressionado para o fazer, tal como o foi a Coreia do Sul através da pressão desencadeada pelos Jogos de Seul (1988).
A China mudará porque este tipo de protestos capta o interesse dos mídia e perturba sobretudo os regimes ditatoriais. As ditaduras não conseguem fechar-se eternamente sobre si próprias. Até a Coreia do Norte, mais dia, menos dia, terá de se abrir ao mundo.
Esta pressão que está a ser exercida sobre o Movimento Olímpico incomoda também todos aqueles que colocaram o Olimpismo e os Jogos Olímpicos dentro de uma redoma e, à custa de tudo e todos, querem-nos preservar de quaisquer contactos com os “malefícios” da política que corrói o mundo e os homens. O problema é que estes arautos dos bons costumes, depois, como se viu em 2000 com os escândalos de corrupção que envolveram o COI, são os primeiros a prevaricar. É por estas e por outras que o Movimento Olímpico não pode estar completamente alheado das questões que envolvem a Humanidade ao ponto de alguns senhores dirigentes afirmarem solenemente que «o desporto nada tem a ver com a política». O que o Olimpismo nada tem a ver é com a podridão que grassa no interior de alguns comités olímpicos por esse mundo fora.
Por isso, as recentes palavras do presidente Jacques Rogge (23/3/08) são uma lição e uma esperança: «o COI respeita as ONG e os grupos activistas e as suas causas, e dialoga frequentemente com eles.» E Jacques Rogge vai mais longe quando afirma que: muito embora o Olimpismo não deva ser «uma panaceia para todos os males», contudo, ele é «um catalisador de mudança». Em consequência, entendemos que o comunicado de 23/3/08, emitido por Jacques Rogge, ficará para a história do Olimpismo na medida em que representa uma mudança radical relativamente à posição tradicional do COI acerca das questões políticas. De uma posição que acefalamente defendia que o Olimpismo nada tinha a ver com a política, o COI passou para uma posição em que, inteligentemente, o Olimpismo é considerado como um catalisador de mudança. Quer dizer, Jacques Rogge decidiu que o COI deixava de andar a reboque das mais variadas pressões políticas, para passar e bem a ter uma atitude proactiva, assumindo-se como catalisador das grandes transformações sociais de que a humanidade anseia.
Entretanto, Robert Manard disse à agência France Presse que a RSF: «irá protagonizar acções como esta até ao dia 8 de Agosto», data da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. Até porque a RSF não preconiza o boicote aos Jogos Olímpicos, mas simplesmente um boicote dos dirigentes mundiais à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. Ainda bem, na medida em que o regime chinês tal como outras ditaduras só mudará se for pressionado por fora.
Não vão ser fáceis os próximos meses para o Movimento Olímpico Internacional. Mas vão ser certamente aliciantes, sobretudo agora que Jacques Rogge, o seu principal representante, assumiu com peso, conta e medida, mas também com realismo, que o Olimpismo é um catalisador de mudança social e como tal «o COI continuará a respeitar causa dos Direitos Humanos», que foi uma das razões da escolha de Beijing para organizar os Jogos da XXIX Olimpíada.
Queremos acreditar que Jacques Rogge está a protagonizar tempos de mudança. E o COI, através do Movimento Olímpico, a assumir a sua missão no mundo, missão essa que vai bem mais longe do que a do Movimento Desportivo, muito embora muitos dirigentes desportivos, “vidrados” pelas mordomias que o dirigismo desportivo lhes proporciona, tenham alguma dificuldade em percebê-lo.

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