sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Opinião — Gustavo Pires






Gustavo Pires

Prolegómenos para uma
Teoria da Conspiração




Se estamos a menos de seis meses da realização dos Jogos Olímpicos de Beijing, estamos também a pouco mais de um ano da realização de eleições no Comité Olímpico de Portugal (COP). Como se sabe, o lugar de presidente do COP é hoje um lugar sobejamente apetecido pelos mais diversos protagonistas que orbitam na área do Movimento Olímpico. São as gratificações, as viagens, os hotéis de cinco estrelas, o poder de representar em Portugal um dos emblemas mais apetecidos pelas grandes multinacionais. Por isso, a competição eleitoral abriu já há bastante tempo, muito embora só agora é que a generalidade das pessoas esteja a dar por isso.

E a competição abriu há bastante tempo, na medida em que Vicente Moura teve a ingenuidade ou a esperteza – o tempo o dirá – de na sua última candidatura anunciar ao Movimento Desportivo, sem que ninguém tivesse acreditado, que aquela seria a última candidatura. Ao fazê-lo, se por um lado comprometeu desnecessariamente a sua palavra, muito embora, nos tempos de relativismo pós-moderno que correm, “a palavra dada não se olha o dente”, por outro, manteve os eventuais candidatos a vigiarem-se uns aos outros, o que lhe permitiu viver um mandato relativamente calmo. Contudo, Vicente Moura sabe que há muita gente que orbita à sua volta, à espera da primeira oportunidade para o desembarcar no próximo porto.

Por isso, Vicente Moura está completamente sozinho. Ele nem se deve atrever a falar acerca do assunto seja com quem for, pela simples razão de que não pode confiar em ninguém. E, tal qual marinheiro perante o naufrágio iminente, ele prepara-se para nadar desesperadamente a fim de se manter à tona de água. O problema é que, há muito, lhe começaram a preparar a borrasca com que agora o querem afundar.

Vicente Moura na qualidade de Presidente do COP, ingenuamente, aceitou assinar um Contrato Programa de Desenvolvimento Desportivo (DR – II Série, nº 70 – 11 de Abril de 2005) para execução do Programa de Preparação Olímpica para os Jogos Olímpicos de Pequim (2008), aonde, na euforia dos resultados de Atenas que, como se sabe, mereceram os favores dos deuses do Olimpo, se comprometeu a levar aos Jogos de Beijing dezoito modalidades desportivas, a trazer para casa doze diplomas e cinco medalhas. É obra. O problema é que só se prometem doze diplomas quando a perspectiva é de vinte ou vinte e cinco, e só se prometem cinco medalhas quando a perspectiva é de, pelo menos, dez ou quinze. E, mesmo assim, é muito arriscado. Vicente Moura, caiu na “casca de banana” que, ao tempo, foi disfarçada com um subsídio de 14 milhões de euros. Contudo, tinha a obrigação de não escorregar, até porque, como “macaco velho” que é nas andanças do nacional Olimpismo, já devia ter o rabo calejado. Assim, devia saber que nos Jogos Olímpicos, pelas mais diversas circunstâncias, os resultados dependem por vezes, muito mais da sorte do que de qualquer outro factor susceptível de ser planeado e programado. Nestes termos, a margem de segurança, relativamente à determinação de objectivos quantificados, deve ser objecto de muito mais cuidado.

Entretanto, com a eleição para os corpos gerentes da Confederação do Desporto de Portugal (CDP), Vicente Moura, finalmente, deve ter tirado a prova dos nove de que estava a ser preparada, por via indirecta, uma espécie de “rebelião a bordo” que antecedia o assalto à liderança do COP. Pelos vistos, o Movimento Desportivo também assim compreendeu, pelo que fez abortar a referida intentona. Paula Cardoso, o presidente da CDP, aguentou-se bem e estragou aquilo que mais parecia ser o consumar da “noite das facas longas”, já que tudo começou a ser preparado na noite da cerimónia de apresentação dos trajes da comitiva olímpica.

Naquela noite, muito embora Vicente Moura tenha afirmado que não alterava a previsão feita em 2005 de quatro ou cinco medalhas, na realidade, já estava a alterar, na medida em que o contrato assinado por si próprio foi de cinco medalhas. Mas disfarçou, ao afirmar: «até já me chegaram a dizer que pequei por defeito» (Record, 11/10/07). Pode ser que sim, mas há pecados que só se devem cometer em privado.

Contudo, ele sabe que corre o risco de ter metido o pé, não numa, mas nas cinco argolas ao mesmo tempo, quando se comprometeu a ganhar cinco medalhas. Vai daí, precisamente a seis meses do Jogos de Beijing, no dia 8 de Fevereiro de 2008, numa entrevista à Rádio Renascença (RR), provavelmente sentindo que estava a ir ao fundo, atirou mais uma medalha pela borda fora, afirmando ser possível Portugal obter três ou quatro medalhas nos Jogos de Beijing!

O que é facto, é que com a entrevista à RR, Vicente Moura confirmou para quem o quis compreender, que está na corrida à sua própria sucessão. Em conformidade, no meio da tempestade, começou a atirar carga ao mar. Iniciou a viagem com cinco medalhas garantidas. Para o efeito, recebeu 14 milhões de euros. Entretanto, já só leva três ou quatro. Contudo, nem ele nem ninguém sabe quantas é que vai trazer, até porque, só na ingenuidade do longo prazo, se podem prometer medalhas olímpicas por contrato programa.

Quanto ao futuro, o problema de Vicente Moura não é o peso das medalhas que leva no porão da nau do COP. O problema de Vicente Moura está na tripulação com que iniciou a viagem. E ele deve saber que na “noite das facas longas”, quer dizer, na “noite do traje olímpico”, aconteceu a primeira rebelião a bordo. E nem é difícil identificar o principal responsável.



PS: Entretanto, Vicente Moura, sobre a questão do Darfur, agiu com a sabedoria de Pilatos: Lavou as mãos. Não há preocupações políticas que possam suplantar a Carta Olímpica, disse o Comandante do COP (Público, 14/2/08). Ao tempo dos Jogos de Berlim (1936) dizia-se mais ou menos a mesma coisa. Depois, foi o que todos sabem. Quanto a nós, o desporto à margem dos direitos humanos não é para homens, é para alienados sociais.

(*) Com João Marcelino.

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